quinta-feira, 27 de outubro de 2011

NALDO VELHO - POESIAS



AOS TRANCOS E BARRANCOS
NALDOVELHO



Minha poesia não é flor que se cheire,
tão pouco mel a adocicar suas vidas,
é erva ardida, espinho, arrepio,
tapeçaria desfeita, embaraçados os fios,
caminho escorregadio entre a rua e o meio-fio,
noite de lua inquieta, cidade tão fria e deserta,
janelas abertas, paixão, carinho, ternura,
e ao mesmo tempo tormenta, embarcação à deriva, loucura.

Minha poesia é mistura de veneno e orvalho,
madrugadas trilhadas entre o pesadelo e o sonho,
é estação que anuncia sinal de partida,
abraço apertado, esperança, chegada,
é terra molhada das margens de um rio,
magia, feitiço, labirinto, pecado,
licença divina para cometer sacrilégios,
filha prematura entre o tempo e o verbo.

Minha poesia é maldição que carrego,
crença que tenho nas verdades que eu temo,
templo construído na beira do abismo,
sangue poluído, entupidas as veias,
cicatrizes que doem toda vez que me lembro.
Portanto não peçam poemas mansos,
só sei caminhar aos trancos e barrancos.




AO ESCREVER POEMAS
NALDOVELHO



Tenho a mão pesada ao escrever poemas,
Abro, no papel, profundos sulcos, tipo, leito de um rio,
por onde navegam palavras, pensamentos, histórias,
coisas colhidas nas trilhas desta vida.

Não acaricio as palavras, espremo-as,
até ter delas seu sumo, seus significados.
Uso cores agressivas, por vezes exuberantes,
quando tento passar uma mensagem.

Quando falo de saudade prefiro o cinza,
nostalgia navega em branco e preto
e a revolta em águas barrentas, sempre!
Estou mais para a realidade, a vida me fez assim!

Tenho a mão pesada aos escrever poemas,
machuco o papel, até perceber que ali existe
sangue, suor, saliva, sentimento,
não sei escrever sem expor feridas.

Parir versos é remexer nas entranhas,
é cutucar cicatrizes, fazê-las ardidas,
só assim o poema sobrevive
e eu consigo exorcizar minha dor.




COISAS QUE SOBRARAM DO INCÊNDIO
Naldo Velho



Há um quê de delicadeza
nas coisas que sobraram do incêndio.

Vestígios de sonhos misturados a destroços...
Madeira, reboco, papeis, muitos panos.

Pela casa aos pedaços eu recordo a história
de um amontoado de livros, parte deles queimados.

Há um quê de suavidade
nas cinzas que sobraram pelos cômodos.

Luz do sol, fumaça, vidraças quebradas,
e ainda assim, eu percebo os detalhes.

Portas arrombadas denunciam o desastre,
no ar um cheiro de demolição.

Há um quê de poesia
em pode sentar num canto e apreciar os estragos.

Há um quê de magia
em poder renascer dos escombros.




HEI DE MORRER JOVEM
NALDOVELHO




Hei de morrer jovem,
na flor dos nem sei quanto anos,
com as costas arqueadas
pelo peso de uma vida,
e as pernas enfraquecidas
por trilhas, atalhos, estradas.

Hei de morrer jovem,
na flor dos meus desenganos,
com os olhos, assim, embaçados
por conta do quanto enxerguei
e a pele toda enrugada
pelo muito que semeei.

Hei de morrer certamente,
ainda que permaneçam os espinhos,
pois embora não te pareça,
jovem ainda estarei!
Pois esta foi minha escolha,
meu rito sagrado, minha lei.

Hei de morrer qualquer dia,
antes que seja tarde!
Mas só quando acabarem os poemas,
e tomara Deus que docemente!
Pois por mais que eu tenha pecado,
Ele sabe o quanto eu amei.




PESSOA ASSEMELHADA A PÁSSARO
NALDOVELHO


Um Tributo a Manoel de Barros



Pessoa assemelhada a pássaro
gosta de ser chamada de poeta,
às vezes viaja pra longe
com asas de firmamento,
em outras viaja pra dentro
com asas de recolhimento.
Precisa ser íntima das águas
e adora prevaricar com o vento,
lamber madrugadas molhadas,
adornar luz da lua em seu corpo,
e lapidar significados, palavras.

Pessoa com encosto de pássaro,
gosta de janelas abertas,
quase sempre sonhar acordado;
às vezes viaja pra longe,
com asas de abrir clareiras,
em outras viaja pra dentro
com asas de romper fronteiras.
Precisa ser íntima do tempo,
prevaricar com muitos umbigos,
para poder entoar diferente
as coisas que todo mundo sente.


* Naldo Velho - Entrevista

NALDO VELHO - ENTREVISTA Nº 6




EntreGêneros: Como teve início o seu interesse pela escrita?

NV: Quando bem jovem, ao fazer parte de um conjunto musical, comecei a escrever letras (versões) para músicas estrangeiras. Daí para a composição musical, propriamente dita, foi um pulo. Quando vi tinha virado compositor (MPB). Hoje entre músicas e letras, tenho quase 60 composições. Como poeta, só aos quarenta e nove anos, incentivado por uma amiga que ao escutar minhas músicas disse que as letras eram verdadeiros poemas, e pediu que eu começasse a escrevê-los. Portanto, neste sentido, sou um jovem poeta (risos).

EntreGêneros: Quais escritores lhe influenciaram e em que busca inspiração para escrever?

NV: Quando criança, o interesse pela leitura foi despertado a partir de Monteiro Lobato, mais tarde na adolescência, Hermann Hesse, e mais recentemente no caminho da poesia: Manoel Bandeira, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade.
A inspiração para escrita surge da necessidade constante de dissolver coisas cristalizadas, apaziguar inquietude e levar as pessoas minhas vivências e experiências pelos caminhos desta vida.

EntreGêneros: Com que gênero literário mais se identifica na construção de seus textos?

NV: Eu tenho uma enorme identificação com o lirismo, e o poema é hoje, sem sombra de dúvidas, minha forma de expressão literária.

EntreGêneros: Como você vê o cenário poético no atual contexto literário? Acha que está havendo uma maior valorização da poesia?

NV: Muito enfraquecido, por conta de uma excessiva intelectualização na forma de expressão ou construção poética, o que acarreta num afastamento dos leitores. Uma outra questão a ser analisada, é a do ritmo de vida apressado e superficial que as pessoas se impõem, afastando-as de toda e qualquer manifestação intelectual ou artística que exija a sensibilidade e a reflexão.    
O ser humano anda cada vez mais superficial, apressado e solitário.

EntreGêneros: A internet tem sido um meio difusor de grande valia em nossos tempos. Você percebe a manifestação de novos talentos no contexto literário?

NV: Pode parecer contradição, mas não é! Muitos talentosos poetas ao encontrar portas fechadas no mercado editorial brasileiro, buscaram a Internet como forma de extravasar sua obra.

EntreGêneros: Poderia citar alguns autores que lhe chamem a atenção em particular?

NV: Liria Porto, Elane Tomish, Nana Merij, Claudia Villela, entre outros.

EntreGêneros: A que fato se deve a dificuldade encontrada pelos autores na publicação de um livro, na sua opinião?

NV: Falta de interesse comercial. O poema deixou de freqüentar as escolas, as mesas de discussão e o cotidiano do brasileiro.

EntreGêneros: E você, tem algum livro publicado?

Tenho dois, o MANIA DE COLECIONADOR e A DANÇA DO TEMPO.

EntreGêneros: Tem algum projeto em andamento?

NV: Tenho um terceiro livro: ASAS QUE TENHO POR DENTRO e um CD com minhas composições.

EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre você (profissão, família, crenças... ).

Sou espírita de formação, casado já faz 34 anos com a mesma heroína, aposentado da Caixa Econômica Federal e atualmente me dedicando inteiramente a arte.

EntreGêneros: Uma frase que resuma o ato de escrever para você.

Poesia (poema) é ato de coragem, é dizer diferente aquilo que todo mundo sente



* Naldo Velho - Biografia



terça-feira, 25 de outubro de 2011

MIRSE DE SOUZA - POESIAS















MEU EU EDIPIANO



A luz que me inspira
é a mesma que
me embaça a visão.
O olhar edipiano
refletor,
encontra na cegueira
a luz interior

Única e verdadeira.
Quando os olhos não são a luz da alma
a alma ilumina a luz do opaco olhar.



IN BLUE


Numa delicada partitura
A natureza obedece
A batuta do maestro
cachos de uvas azuis
surgem como ninfas
em prosa e verso
em suave adágio
oitava sustenidas
sustentas pelos galhos
que se esmeram em exibir o blues
das graciosas uvas azuis



AUTO RETRATO


Sou a lágrima furtiva,
o engano em forma de vida
Da fotografia, sou o negativo
Na natureza, sou o desvio,
Não sou sombra, sequer o abrigo
Do destro, sou a mão esquerda
Na companhia, sou a ausência
Das palavras, sou o silêncio
Sou o ápice da dor
Sou o espinho que feriu
em forma de coroa,o Criador
Sou a mãe que não vingou
Borboleta sem cor
Perdida num mundo
Imundo de Amor?
Sou a obra inacabada
De Mondrian,
Sou o que ele não acabou.




ETÉREO



Quando a vida por fim descer o pano
Sairei do meu interno deserto
Quero ser teu sonho
Em luz, em cor
Em som aberto

Reconhecer-me-ás
No plâncton
Nas conexões do etéreo



Onde me encontro.



EPÍLOGO



O arco-íris se desfez das cores
O sol corou de medo e dor
quando sua luz refletida
gerava um arco sem cor

A nuvem tremeu de frio,
se agasalhou.

Poetas emudeceram...
Venderam sonhos que sobraram,
e mudas de fé murcharam.

Escassez e silêncio
num mundo destruído e assim

Fez-se o desfecho

e

F
I
M.



MIRSE DE SOUZA - Biografia









MIRSE DE SOUZA - ENTREVISTA Nº 5





EntreGêneros: Como teve início o seu interesse pela escrita? Quais os autores que de alguma forma influenciaram seus poemas?


MS: Meu interesse pela escrita já nasceu assim que soube me expressar. Com nove anos escrevi a primeira poesia. Mas a família era contra e era difícil escrever sempre escondido. Mas eu o fazia.
Os escritores que mais me influenciaram : Carlos Drummomd de Andrade, Manoel de Barros, João Guimarães Rosa, Carlos Heitor Cony, Mário de Andrade , João Cabral de Mello Neto, entre outros escritores nacionais. Shakespeare, Artur Muller, Fernando Pessoa,  enfim, são muitos.
DRUMMOND e MANOEL DE BARROS sempre me influenciaram, assim, como Fernando Pessoa.
Busco inspiração ou ela vem a mim em tudo. Um caco de vidro, uma pedra, a natureza de um modo geral e sou uma escritora socialmente ativista.


EntreGêneros: Como você vê o cenário poético no atual contexto literário?  Acha que está havendo uma maior valorização da poesia?


MS: No atual contexto literário,  o cenário poético cresceu muito. A internet viabilizou essa interação entre o pretendente e o escritor. A poesia está muito valorizada e procurada, mas para comercializar, é difícil.


EntreGêneros: A internet tem sido um meio difusor de grande valia em nossos tempos. Você percebe a manifestação de novos talentos no contexto literário? Poderia citar alguns autores que lhe chamem a atenção em particular?


MS: Percebo interesse e manifestação de novos talentos, quando em blogs coletivos como o seu, o Diálogos Poéticos, ao sentir o interesse de jovens e de pessoas que quase nunca se atreveram e ali, são incentivadas e acabam se tornando escritores.
A. Reiffer do blog O FIM, que já tem e-book, Georgio Rios, todas as poetisas que fizeram parte do Maria Clara Simplesmente Poesia, hoje são grandes poetisas e produzem o que há de melhor na literatura.


EntreGêneros: Tem algum projeto em andamento? Pode nos falar algo sobre ele?


MS: Meu próximo projeto é a poesia infantil e uma auto biografia.


EntreGêneros: Você exerce alguma outra atividade além da escrita? Fale-nos um pouco sobre a Mirse mulher e profissional.


MS: Não. Agora só leio e escrevo quando posso. Devido à problemas de saúde, quase não saio de casa e há ocasiões que só com laptop na cama. Mas antes de adquirir este problema de saúde, eu era atleta, adorava dançar, cinema e teatro sempre me fizeram companhia. A culinária era também um enorme prazer para mim.
Minha família é igual à de todos, acho.


EntreGêneros: Termine com uma frase que acha que resume o ato de escrever para você.


MS: Escrevo porque amo a vida e nela e em Deus encontro inspiração e paixão para escrever.


Obrigada!


*MIRSE DE SOUZA - Poesias

domingo, 23 de outubro de 2011

JOSÉ CARLOS PATRÃO - VÍDEOS


JOSÉ CARLOS PATRÃO - ENTREVISTA Nº 4





EntreGêneros: Você exerce alguma atividade além da escrita?

JC: Claro que sim, a escrita só para muito poucos pode ser actividade exclusiva, trabalho há 23 anos para o Estado Português, inicialmente no Ministério da Defesa e Ministério da Administração interna

EntreGêneros: Como teve início o seu interesse pela escrita? Quais os autores que de alguma forma influenciaram seus poemas?

JC: Boa pergunta essa... kkk. Desde o momento em que senti que olhar para as coisas não bastava, tive que as descrever,  em vez de imagens passei a tentar descrever sentimentos mais complexos através de metáforas pois não  são quantificáveis através de simples conceitos.
Fernando Pessoa e Eugénio de Andrade.

EntreGêneros: Acompanho seu trabalho a um bom tempo e percebo que você gosta de sempre criar novas possibilidades para a amostragem de seus poemas. Fale-nos um pouco sobre esse processo criativo.

JC: Penso que a imagem, sentimentos e palavras são indissociáveis, tal como o som e o cheiro... infelizmente a internet ainda não nos permite transmitir essa sensação mas aproveito o que a tecnologia oferece para poder transmitir uma ideia que pretendo debater quando escrevo algo... portanto nada melhor do que lhe associar uma imagem e sempre que me é possível elaboro vídeos que melhor se adaptem ao contexto e aproximem quem o vai ler da minha própria ideia...
  

EntreGêneros: Aprecio muito seus vídeos e gostaria que nos contasse um pouco sobre como surgiu a idéia  de fazê-los? Como escolhe as músicas e as imagens?

  
JC: Como referi, os vídeos, com imagens, movimentos e música, dão uma ideia mais aproximada do que o autor quer transmitir... há sempre o factor tempo a ter em consideração e a intensidade da leitura que se deve adequar ao conteúdo do texto... a maior parte das vezes escolho apenas instrumentais para que não se confunda a letra com o texto... leio o texto várias vezes como se não fosse de minha autoria, escolho a música conforme a métrica e as imagens para cada sequência são a última acção desenvolvida...

  
EntreGêneros: A internet tem sido um meio difusor de grande valia em nossos tempos. Você percebe a manifestação de novos talentos no contexto literário? Poderia citar alguns autores que lhe chamem a atenção em particular? 

JC: Sim há grandes valores literários difundidos através da internet, como por exemplo a Ianê Mello (Risos) São Gonçalves, Anabela Pimentel, Ci Oliveira, Ana Coelho entre outros... mas nem todos os que escrevem trazem algo de novo... muitos escrevem bem mas não marcam a diferença, a outros a falta de humildade não permite que evoluam...


EntreGêneros: Tem algum projeto em andamento? Pode nos falar algo sobre ele?

JC: Neste momento não tenho um projecto isolado, mas se tudo correr bem para o ano farei parte de uma colectânea que é a segunda dum grupo de poesia a que pertenço há uns anos chamado TU CÀ TU LÀ, e serei também incluído num livro de duetos com mais 3 autoras portuguesas...


EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre você ( profissão, família, amigos, crença, sonhos... )

JC: Sou um pouco ermita, isolado no meu mundo que inclui neste momento quase só a família, os amigos contam-se pelos dedos mas os que tenho são verdadeiros... os chamados "virtuais" são imensos, principalmente do sexo feminino (risos), mas não sei explicar esta distinção de géneros na apreciação da minha amizade e poética, entretanto algumas quase parecem já fazer parte da família...
não creio em religiões mas acredito no espírito... a religião é criada pelo Homem, este foi criado por Deus, o tal que é energia, e só depois é que o Homem criou os seus "Deuses"... acredito também na ciência mas creio que existe algo muito para além da compreensão humana... essa crença é inspiradora e poética e não tem fim...
não tenho receio de mostrar o meu lado mais sombrio que atrai algumas pessoas e afasta outras, mas o negro sempre foi o melhor parceiro da cor, e onde ela mais se distingue...
quanto à minha profissão nunca a misturo nos meus assuntos familiares nem influencia a minha escrita... é um mundo à parte com que aprendi a lidar, pois a área da segurança leva-me a entrar em contacto com todos os estratos sociais e todo o tipo de ilícitos e injustiças, se não criasse uma barreira poderia ser influenciado psicologicamente e neste tipo de profissão uma mente sã é meio caminho andado para conseguir terminar a carreira sem sair lesionado...
quanto ao sonho espero nunca o alcançar para que me continue a inspirar na sua perseguição...

EntreGêneros: Termine com uma frase que acha que resume o ato de escrever para você.

JC: para mim escrever é um acto de necessidade, sem regras nem imposições, é uma amálgama de palavras que os sentimentos vociferam e para se fazerem entender organizam-se em frases que nos seduzem... é uma arte ao alcance de qualquer um, pois na falta de genialidade lanço palavras ao acaso e aguardo serenamente que formem palavras com sentido... é nesse aguardar que o meu espírito reside... (sorriso)





* JOSÉ CARLOS PATRÃO - POESIAS

JOSÉ CARLOS PATRÃO - POESIAS

                     


POETA DE PORCELANA...



Meio silêncio basta
Meio sorriso
dispensa a gargalhada
que soa a troça…

Nostálgicos são os sinais
que percorrem a cidade obscura...
A luz da lua é alquimia
e o aroma de flores
soa a perfume insensato…

Contudo aqui não deve ser o Inferno...
Está demasiado frio
e a minha pele não derrete…
Mesmo debaixo de água
não me afogo
e a fantasia
nunca mais será a mesma…

Até ao presente
a manhã foi-me devota…
Aparece mesmo em dias de guerra...
Fui-lhe infiel e gritei...
Disse-lhe ADEUS
antes que fosse tarde...
Poderia tropeçar e quebrar-me…
Pois sou apenas
um poeta mudo...
...de porcelana…

Sonhava em espreitar a estupidez
sem que ela me detectasse...
Talvez um conceito meu
de altivez...
Uma viagem mental
a um destino que nunca chegasse...

Sonhava também
em abandonar a cobardia
e ter a coragem de afirmar
que esta noite se está a tornar irritante
e estou farto de escrever...

Manias de descrever
estranhos mundos
que não são meus...
Caminhadas à chuva
em belos dias de praia,
em que os céus rivalizam
com tulipas azuis
e sedas rubi...
Voando o mais rápido que podem
tentando que o Tempo
se torne reversível...

Mesmo à espera
da paragem final
não me imiscuo de alegrar
um par de olhos tristes...
Sempre duvidando da claridade...
Com um sorriso disfarçado...
Pesando o delicado balanço
da ironia da tua verdade...




BALLERINA


Sinal de um tempo
Bailarina que flutua
numa dança que me entontece
voando…
Tropeçando com elegância
como um anjo ferido
em mentiras
e obstáculos perenes…
Chorando com alegria
pingos de chuva
frios
de Novembro…
Quisera esquecer-se
de caminhos percorridos
em exaustão e contumácia
de outrora, banidos…
Bailarina de betão
que adormece transeuntes
e seus reflexos
em gastos edifícios
envidraçados…
Respira em silêncio
com a memória congelada
e derretida…
Pontapeia folhas alaranjadas
do fim de um dia…
Sorri da estrada fantasma
iluminada
pelos seus lábios
que beijam o destino cromático
em que loucamente
acredita…
Esbarrei no seu olhar…
Dancei sem me mover…
Silhueta esbelta
de uma menina
que rodopia…
A que sem vertigens
sussurrei ao ouvido e
pausadamente
apelidei de…
…Ballerina…




REFÚGIO NO DESERTO


Como é que seria suposto
Ser o mundo
Para além desta cerca
Um refúgio
um espelho de mim
Qualquer coisa
Um momento
Que quebre o silêncio
Nem que seja a estupidez…
Estampada no rosto
Duma flor da manhã…
Que contudo me alegra…
Sinto-me vivo…
…casualmente…
Escolho-te para inspiração
Para além daquela pequena gota
Que desgastada me perseguiu
Ainda me lembro
Por vezes
De deixar a janela aberta
Na esperança de a voltar a sentir
Na face caída do Céu…
Rolando calidamente
Nas areias inocentes
Dum deserto só meu…



Sete de Espadas...



Desígnio dum mandamento
o número sem sorte
projectado numa carta de espadas
terá sido mal jogado
na retrospectiva
de um estranho lugar
algures
abaixo do soalho
do meu sótão…
Fez esvoaçar um pássaro em decadência
trespassando uma janela de folhagem
sem vista…
Sobressaltou
uma ninfa
outrora desenhada apenas por vocábulos…
Com seus olhos negros
obrigou-me a ajoelhar
oferecendo-me uma rosa vampiro
que faz borbulhar o sangue
num toque veludo
rodeado de espinhos…
Pareceu-me vislumbrar
reflexos de duas faces
atrás de máscaras
de beleza veneziana
exibindo frutos
e pestanas prateadas
muito para além da luxúria…
Confessei erros
acendi sorrisos
arranquei tudo que era verde
das folhas que manipulei
com as chuvas do meu suor…
Apesar de faltar sempre algo
sonhei com a imortalidade
de momentos sem nome
da mulher do vento…

* JOSÉ CARLOS PATRÃO - BIOGRAFIA