EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre a sua origem. Sua
infância na aldeia em que viveu em Frossos (Portugal), seus estudos, suas
vivências, sua trajetória de vida, fatos que contribuíram para a sua formação
como pessoa.
SG: Eu nasci a 1º de janeiro de 1968, adoro ter
nascido neste dia, é um dia que marca para sempre a vida, é o começo de mais um
ano, de novas promessas, promessas de renovação,talvez por isso eu tenha
passado a minha vida a renovar-me ,em tudo o que esta palavra pode
significar. Nasci no seio de uma família humilde, o meu pai operário fabril, a
minha mãe dona de casa. Vivi aqui até aos 19 anos. Fiz o ensino primário, a
quarta classe, portanto, e nesta altura a minha professora primaria pediu ao
meu pai para me deixar continuar os estudos, ele achou que não valia a pena.
Nunca mais esqueci a conversa ente o meu pai e a minha professora. Durante
estes anos, trabalhei na agricultura, os meus pais tinham terrenos e gado. Foi
um período importante, sei-o hoje, vive-se de outra forma, seguindo os ritos e
os rituais da natureza, das estações do ano, das sementeiras e das colheitas e
isto também nos forma interiormente.
Já nesta altura li-a muito, o meu pai pedia para lhe ler a
noite em voz alta as lições do livro de leitura, contos de Maria Alberta
Meneres, António Torrado,entre outros.
Frequentei a catequese durante muitos anos e todos os domingos fazia a leitura
das liturgias dominicais, fazia então parte de um grupo de jovens da aldeia. Algumas
pessoas emprestavam-me livros para eu ler. A leitura foi portanto uma
constante na minha vida.
Tive a sorte de ser a mais nova de 6 irmãos,sempre me senti
muito querida e protegida por eles.
Um casal também me “adotou”, digamos assim,tinham dois
filhos que eu guardava quando saiam,foram os meus primeiros “meninos” o Jorge e
o Roberto, uma vivência que me marcou para a vida no sentido positivo.
A infância é um período onde absorvemos tudo o que nos
rodeia e sinto que trago comigo todas as coisas boas e as coisas que me
marcaram na negativa, tudo isto me formou o caráter e a personalidade,t ornando-me
na pessoa que sou hoje. Sempre tive o sonho de ser professora, a vida não me
deixou realizar esse sonho , mas hoje sinto-me realizada de uma outra forma.
Aos 19 anos, parto para Lisboa, numa aventura que nunca mais
teve fim, fui empregada doméstica, estudei de noite e durante 5 anos vivi com
uma senhora de idade em São João do Estoril, onde fui acolhida pela família
como mais um membro.As filhas todas doutoradas ajudaram-me imenso nos
estudos. Aqui tive tempo para ler e li dezenas de livros.
Foram os melhores anos da minha vida, anos de crescimento, de
transformação e de enraizamento da minha paixão pela literatura.
EntreGêneros: Que ventos a levaram ao processo da escrita? Quando começou a escrever? Em que fontes literárias buscou sua inspiração?
SG: A vida dá muitas voltas,e aos 39 anos passei
por uma fase menos boa da minha vida,foi preciso mais uma vez reconstruir-me,e
a leitura foi mais uma vez a ajuda inquestionável desta reconstrução,Com o
livro “Mais Platão e menos Prozac” de Lou Marinoff, aprendo de como se pode
resolver os problemas da vida através da leitura e do estudo das grandes
correntes filosóficas,basta enquadrá-las e aprofundá-las nas nossas vivencias e
nas nossas angústias existenciais.
Também numa perspectiva feminina, o livro de Nathalie Durel
Lima “O feminino Reencontrado” me ajudou a compreender a fase em que estava a
passar e encontrar a energia, a sensibilidade e a criatividade que estavam
escondidos. Foi um grande processo de transformação e crescimento e de
aceitação das minhas forças, mas também das minhas fraquezas. O reencontro com
a mulher que estava para renascer.
Não sei se a minha inspiração se deveu a alguma fonte literária,
eu escrevo o que está dentro de mim, dentro do meu imaginário. Nesta altura
começo a frequentar a blogosfera e os sites faço conhecimento com muita
gente, mas destas pessoas três se destacaram e continuam no meu caminho como
grandes amigos. A Ana Coelho, que é uma amiga e que me ajudou imenso na
elaboração do meu livro, a Dolores Marques, a minha maior referência, digo sempre
que é a minha mãe na escrita e o José Carlos Patrão, um amigo que me acompanha
e está sempre disponível para me ajudar.
Estes três amigos escrevem temas diferentes, gêneros
diferentes,e é neles que me apoio e muitas vezes me inspiro. Inspiro-me também
nas vivências diárias,nas emoções momentâneas, nas histórias que ouço etc....
Sou também uma adepta do poder que uma imagem pode
desencadear emoções e estados de alma, escrevo muito neste sentido, no poder
que a imagem tem de se transformar em palavras .
EntreGêneros: Até que ponto sente-se influenciada pelos
grandes escritores seus conterrâneos, como, por exemplo, Fernando Pessoa, Vasco
Graça Moura e Inês Pedrosa?
SG: O que vou aqui dizer, vai parecer
estranho,mas eu nunca fui uma grande leitora de poesia,sempre amei muito a
poesia de Fernando pessoa,através do seu heterônimo Álvaro de Campos, de
Sophia de Mello Breyner, agora recentemente tenho uma grande paixão pela poesia
de Antônio de Ramos Rosa, mas não me sinto influenciada por nenhum destes
autores,eu escrevo o que me vai na alma,criei o meu próprio registro. Quando
comecei a publicar na net, assisti a muitas discussões sobre o plágio entre os
autores,talvez por isso tenha tendência a fugir aos esquemas tradicionais da
poesia,escrevo o que sinto e como sinto,os temas são sempre iguais para
todos,mas a forma e a colocação das palavras varia conforme os autores.
Agora leio muito os autores que vou conhecendo na blogosfera
e há muitos que gosto, entre eles, Dolores Marques, Joaquim Pessoa,J osé Luis
Outono, João Costa. Ana Coelho, etc... Leio mais poesia agora que antes de freqüentar
a blogosfera
EntreGêneros: Considera seus textos intimistas? O
quanto mostra de si mesma no que escreve?
SG: Eu penso que sim, que o que escrevo é muito
intimista, o que eu escrevo sou eu, um pouco da mulher de todos dias,da mulher
que trabalha, da esposa,da mãe, mas é muito mais a mulher na sua caminhada
interior, na sua busca do conhecimento de si mesma e do conhecimento do mundo, do
sua viagem pelos caminhos da espiritualidade, da aventura do conhecimento do
poder das palavras.é a procura do conhecimento mais profundo do Ser que existe
dentro de mim e que não é visível a todos, é a aventura de Ser e de viver. É a
busca do sentido da vida e da existência, a razão de viver e o caminho para a
compreensão mesmo que inatingível da minha existência tanto como ser evolutivo.
EntreGêneros: Há momentos em que os escritores sentem
um bloqueio para escrever e a folha ou tela em branco tornam-se assustadores.
Você sente isso com freqüência? Como lida com esses momentos quando acontecem?
SG: Eu não sou escritora, escrevo uma procura, um
estado de alma,mas sim já me senti muitas vezes sem palavras para escrever
alguma coisa,eu recorro muito a imagens,e as imagens tem esse poder de
desbloquear emoções,sentimentos,e através do campo visual consigo criar
novas imagens,novos sentires.
Eu gosto mais de escrever prosa,aliás eu costumo dizer
que o que escrevo é prosa poética,porque não obedeço as regras da poesia,no
sentido da forma,mas sinto-me melhor a escrever prosa ”poética”
EntreGêneros: No poema que deu título ao
livro Longos são os caminhos, você diz: “A viagem é longa, o corpo
cede muitas vezes, à passagem do tempo/ É a luz que nasce em mim a cada
amanhecer, que me sustém e me guia.../ Tenho sede e fome de infinito”. Bela
passagem! Fale-nos um pouco sobre esse sentir.
SG: Esta frase é o resumo do que disse até aqui.a
viagem da vida é longa,muitas vezes sentimo-nos cansados,exaustos,o corpo
dorido,mas todos temos uma estrela guia que nos ilumina,que nos leva a
lugares desconhecidos dentro de nós,e é esta sede de infinito de nós próprios
que nos conduz nesta procura incessante pelo mundo das palavras.Sempre gostei
de testar os meus limites e os meus limites interiores são o infinito.Ir sempre
mais além no conhecimento do mundo e no que me rodeia e sobretudo de mim mesma.
EntreGêneros: Você participa em vários sites de
poesia e literatura e criou um site ligado ao eterno feminino. O que teria a
nos contar sobre essas atividades?
SG: A participação nestes sites,é um motivo de partilha
e de conhecimento do outros,é muito enriquecedor do ponto de vista humano.Conhecemos
novas pessoas,novos autores.
O site ligado ao “eterno feminino” teve a ver com o livro
que li,”o feminino reencontrado”,era interessante ver a procura no feminino
através das palavras por cada um dos participantes.Foi um grupo que tive
e gostei muito.
EntreGêneros: Conte-nos sobre a pessoa além da
poeta: seus sonhos, seus projetos, sua vida.
SG: Eu sou uma mulher normal, sou esposa,mãe, trabalho,
esta é a mulher de todos os dias.
Depois gosto muito de ser solitária, dou muitas caminhadas
sozinha, gosto de estar deitada no meu sofá completamente em silêncio.
Vivo um dia de cada vez, tenho projectos, mas não vivo
ansiosa para os concretizar,o que tiver de acontecer ,acontecerá.
Estou a preparar um livro, que espero editar em 2012,vamos
ver se consigo,mas como disse se tiver de ser será.
Sonhos? O meu maior sonho não se prende comigo, espero que
os meus filhos sejam felizes e realizados neste mundo tão inconstante e
incerto.
APLAUSOS!!!!!
ResponderExcluirNa poesia, já se sente esse altruísmo de ser, independente de autores. Uma vida linda e iluminada, São Gonçalves, parabéns pelo seu dia . Que seu aniversário será sempre lembrado pela poetisa e escritora, por mim, já consagrada!
Beijos
Mirze
Gostei de ler, és tu a tua forma de ser e a teu percurso que me orgulho de acompanhar.
ResponderExcluirÉ muito bom este tipo de iniciativa os meus parabéns por este trabalho Ianê Mello
beijinhos para as duas
Antes de mais parabéns pelo teu primeiro dia do Ano, muitas felicidades! Gostei muito de ler a entrevista. Sinto muito orgulho em ter uma amiga como a São, agradeço a Deus a ter colocado no meu caminho. Beijinho. Edite
ResponderExcluirParabéns pela entrevista, com créditos também para a entrevistadora...
ResponderExcluirJá conhecia um pouco do percurso da São; contudo aqui, de forma desassombrada, deu a conhecer um percurso de vida difícil mas empreendedor, tornando-a na mulher lutadora em que se tornou. Apreciei uma característica que também tenho: não ler muito em poesia; isso não invalida que se escreva o que vai na alma...Parabéns, São, também pelo facto de falares de projectos de forma humilde, deixando que fluam como as águas de um rio calmo...Bjo :)
Obrigada Ianê,por me teres dado esta oportunidade de me dar a conhecer melhor.Adorei a entrevista e da forma coerente como foi conduzida,o passado,o presente e o futuro.
ResponderExcluirA todos os que comentarem muito obrigada.
Fico sem palavras para responder.
Beijos