domingo, 1 de janeiro de 2012

SÃO GONÇALVES - ENTREVISTA Nº 14







EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre a sua origem. Sua infância na aldeia em que viveu em Frossos (Portugal), seus estudos, suas vivências, sua trajetória de vida, fatos que contribuíram para a sua formação como pessoa.

 SG: Eu nasci a 1º de janeiro de 1968, adoro ter nascido neste dia, é um dia que marca para sempre a vida, é o começo de mais um ano, de novas promessas, promessas de renovação,talvez por isso eu tenha passado  a minha vida a renovar-me ,em tudo o que esta palavra pode significar. Nasci no seio de uma família humilde, o meu pai operário fabril, a minha mãe dona de casa. Vivi aqui até aos 19 anos. Fiz o ensino primário, a quarta classe, portanto, e nesta altura a minha professora primaria pediu ao meu pai para me deixar continuar os estudos, ele achou que não valia a pena. Nunca mais esqueci a conversa ente o meu pai e a minha professora. Durante estes anos, trabalhei na agricultura, os meus pais tinham terrenos e gado. Foi um período importante, sei-o hoje, vive-se de outra forma, seguindo os ritos e os rituais da natureza, das estações do ano, das sementeiras e das colheitas e isto também nos forma interiormente.
Já nesta altura li-a muito, o meu pai pedia para lhe ler a noite em voz alta as lições do livro de leitura, contos de Maria Alberta Meneres,  António Torrado,entre outros. Frequentei a catequese durante muitos anos e todos os domingos fazia a leitura das liturgias dominicais, fazia então parte de um grupo de jovens da aldeia. Algumas pessoas emprestavam-me livros para eu ler. A leitura foi portanto uma constante na minha vida.
Tive a sorte de ser a mais nova de 6 irmãos,sempre me senti muito  querida e protegida por eles.
Um casal também me “adotou”, digamos assim,tinham dois filhos que eu guardava quando saiam,foram os meus primeiros “meninos” o Jorge e o Roberto, uma vivência que me marcou para a vida no sentido positivo.
A infância é um período onde absorvemos tudo o que nos rodeia e sinto que trago comigo todas as coisas boas e as coisas que me marcaram na negativa, tudo isto me formou o caráter e a personalidade,t ornando-me na pessoa que sou hoje. Sempre tive o sonho de ser professora, a vida não me deixou realizar esse sonho , mas hoje sinto-me realizada de uma outra forma.
Aos 19 anos, parto para Lisboa, numa aventura que nunca mais teve fim, fui empregada doméstica, estudei de noite e durante 5 anos vivi com uma senhora de idade  em São João do Estoril, onde fui acolhida pela família como mais um membro.As filhas todas doutoradas ajudaram-me  imenso nos estudos. Aqui tive tempo para ler e li dezenas de livros.
Foram os melhores anos da minha vida, anos de crescimento, de transformação e de enraizamento da minha paixão pela literatura.


EntreGêneros: Que ventos a levaram ao processo da escrita? Quando começou a escrever? Em que fontes literárias buscou sua inspiração?


 SG: A vida dá muitas voltas,e aos 39 anos passei por uma fase menos boa da minha vida,foi preciso mais uma vez reconstruir-me,e a leitura foi mais uma vez a ajuda inquestionável desta reconstrução,Com o livro “Mais Platão e menos Prozac” de Lou Marinoff, aprendo de como se pode resolver os problemas da vida através da leitura e do estudo das grandes correntes filosóficas,basta enquadrá-las e aprofundá-las nas nossas vivencias e nas nossas angústias existenciais.
Também numa perspectiva feminina, o livro de Nathalie Durel Lima “O feminino Reencontrado” me ajudou a compreender a fase em que estava a passar e encontrar a energia, a sensibilidade e a criatividade que estavam escondidos. Foi um grande processo de transformação e crescimento e de aceitação das minhas forças, mas também das minhas fraquezas. O reencontro com a mulher que estava para renascer.
Não sei se a minha inspiração se deveu a alguma fonte literária, eu escrevo o que está dentro de mim, dentro do meu imaginário. Nesta altura começo a frequentar a blogosfera e os sites  faço conhecimento com muita gente, mas destas pessoas três se destacaram e continuam no meu caminho como grandes amigos. A Ana Coelho, que é uma amiga e que me ajudou imenso na elaboração do meu livro, a Dolores Marques, a minha maior referência, digo sempre que é a minha mãe na escrita e o José Carlos Patrão, um amigo que me acompanha e está sempre disponível para me ajudar.
Estes  três amigos escrevem temas diferentes, gêneros diferentes,e é neles que me apoio e muitas vezes me inspiro. Inspiro-me também nas vivências diárias,nas emoções momentâneas, nas histórias que ouço etc....
Sou também uma adepta do poder que uma imagem pode desencadear emoções e estados de alma, escrevo muito neste sentido, no poder que a imagem tem de se transformar em palavras .

EntreGêneros: Até que ponto sente-se influenciada pelos grandes escritores seus conterrâneos, como, por exemplo, Fernando Pessoa, Vasco Graça Moura e Inês Pedrosa?

 SG: O que vou aqui dizer, vai parecer estranho,mas eu nunca fui uma grande leitora de poesia,sempre amei muito a poesia de Fernando pessoa,através do seu  heterônimo Álvaro de Campos, de Sophia de Mello Breyner, agora recentemente tenho uma grande paixão pela poesia de Antônio de Ramos Rosa, mas não me sinto influenciada por nenhum destes autores,eu escrevo o que me vai na alma,criei o meu próprio registro. Quando comecei a publicar na net, assisti a muitas discussões sobre o plágio entre os autores,talvez por isso tenha tendência a fugir aos esquemas tradicionais da poesia,escrevo o que sinto e como sinto,os temas são sempre iguais para todos,mas a forma e a colocação das palavras varia conforme os autores.
Agora leio muito os autores que vou conhecendo na blogosfera e há muitos que gosto, entre eles, Dolores Marques, Joaquim Pessoa,J osé Luis Outono, João Costa. Ana Coelho, etc... Leio mais poesia agora que antes de freqüentar  a blogosfera
  
EntreGêneros: Considera seus textos intimistas? O quanto mostra de si mesma no que escreve?

SG: Eu penso que sim, que o que escrevo é muito intimista, o que eu escrevo sou eu, um pouco da mulher de todos dias,da mulher que trabalha, da esposa,da mãe, mas é muito mais a mulher na sua caminhada interior, na sua busca do conhecimento de si mesma e do conhecimento do mundo, do sua viagem pelos caminhos da espiritualidade, da aventura do conhecimento do poder das palavras.é a procura do conhecimento mais profundo do Ser que existe dentro de mim e que não é visível a todos, é a aventura de Ser e de viver. É a busca do sentido da vida e da existência, a razão de viver e o caminho para a compreensão mesmo que inatingível da minha existência tanto como ser evolutivo.

EntreGêneros: Há momentos em que os escritores sentem um bloqueio para escrever e a folha ou tela em branco tornam-se assustadores. Você sente isso com freqüência? Como lida com esses momentos quando acontecem?

 SG: Eu não sou escritora, escrevo uma procura, um estado de alma,mas sim já me senti muitas vezes sem palavras para escrever alguma coisa,eu recorro muito a imagens,e as imagens tem esse poder de desbloquear  emoções,sentimentos,e através do campo visual consigo criar novas imagens,novos sentires.
 Eu gosto mais de escrever prosa,aliás eu costumo dizer que o que escrevo é prosa poética,porque não obedeço as regras da poesia,no sentido da forma,mas sinto-me melhor a escrever prosa ”poética”

 EntreGêneros: No poema que deu título ao livro Longos são os caminhos, você diz:  “A viagem é longa, o corpo cede muitas vezes, à passagem do tempo/ É a luz que nasce em mim a cada amanhecer, que me sustém e me guia.../ Tenho sede e fome de infinito”. Bela passagem! Fale-nos um pouco sobre esse sentir.

 SG: Esta frase é o resumo do que disse até aqui.a viagem da vida é longa,muitas vezes sentimo-nos cansados,exaustos,o corpo dorido,mas todos temos uma estrela  guia que nos ilumina,que nos leva a lugares desconhecidos dentro de nós,e é esta sede de infinito de nós próprios que nos conduz nesta procura incessante pelo mundo das palavras.Sempre gostei de testar os meus limites e os meus limites interiores são o infinito.Ir sempre mais além no conhecimento do mundo e no que me rodeia e sobretudo de mim mesma.

 EntreGêneros: Você participa em vários sites de poesia e literatura e criou um site ligado ao eterno feminino. O que teria a nos contar sobre essas atividades?

 SG: A participação nestes sites,é um motivo de partilha e de conhecimento do outros,é muito enriquecedor do ponto de vista humano.Conhecemos novas pessoas,novos autores.
O site ligado ao “eterno feminino” teve a ver com o livro que li,”o feminino reencontrado”,era interessante ver a procura no feminino através das palavras por cada um  dos participantes.Foi um grupo que tive e gostei muito.

 EntreGêneros: Conte-nos sobre a pessoa além da poeta: seus sonhos, seus projetos, sua vida.

 SG: Eu sou uma mulher normal, sou esposa,mãe, trabalho, esta é a mulher de todos os dias.
Depois gosto muito de ser solitária, dou muitas caminhadas sozinha, gosto de estar deitada no meu sofá completamente em silêncio.
Vivo um dia de cada vez, tenho projectos, mas não vivo ansiosa para os concretizar,o que tiver de acontecer ,acontecerá.
Estou a preparar um livro, que espero editar em 2012,vamos ver se consigo,mas como disse se tiver de ser será.
Sonhos? O meu maior sonho não se prende comigo, espero que os meus filhos sejam felizes e realizados neste mundo tão inconstante e incerto.


5 comentários:

  1. APLAUSOS!!!!!

    Na poesia, já se sente esse altruísmo de ser, independente de autores. Uma vida linda e iluminada, São Gonçalves, parabéns pelo seu dia . Que seu aniversário será sempre lembrado pela poetisa e escritora, por mim, já consagrada!

    Beijos

    Mirze

    ResponderExcluir
  2. Gostei de ler, és tu a tua forma de ser e a teu percurso que me orgulho de acompanhar.
    É muito bom este tipo de iniciativa os meus parabéns por este trabalho Ianê Mello
    beijinhos para as duas

    ResponderExcluir
  3. Antes de mais parabéns pelo teu primeiro dia do Ano, muitas felicidades! Gostei muito de ler a entrevista. Sinto muito orgulho em ter uma amiga como a São, agradeço a Deus a ter colocado no meu caminho. Beijinho. Edite

    ResponderExcluir
  4. Parabéns pela entrevista, com créditos também para a entrevistadora...
    Já conhecia um pouco do percurso da São; contudo aqui, de forma desassombrada, deu a conhecer um percurso de vida difícil mas empreendedor, tornando-a na mulher lutadora em que se tornou. Apreciei uma característica que também tenho: não ler muito em poesia; isso não invalida que se escreva o que vai na alma...Parabéns, São, também pelo facto de falares de projectos de forma humilde, deixando que fluam como as águas de um rio calmo...Bjo :)

    ResponderExcluir
  5. Obrigada Ianê,por me teres dado esta oportunidade de me dar a conhecer melhor.Adorei a entrevista e da forma coerente como foi conduzida,o passado,o presente e o futuro.

    A todos os que comentarem muito obrigada.
    Fico sem palavras para responder.

    Beijos

    ResponderExcluir