terça-feira, 8 de novembro de 2011

MARCIO RUFINO - POESIAS



Juntos


E juntos éramos uma geração,
uma revolução,uma interrogação.
E juntos éramos uma história,
uma trajetória, uma glória.
E juntos éramos uma aventura,
uma postura,
uma fratura exposta em pleno ocidente nacional.

E eu era apenas uma criança,
uma esperança de um futuro melhor.
Que ainda nem sabia que todo amanhã vira hoje,
para depois morrer como ontem
e renascer como anteontem.

Um curumim, que, coitado,
achava que só porque era começo,
nunca seria meio nem fim.

Um neném,
um alguém que nada sabia da vida,
porém, achava que alguma coisa da vida sabia além.

Quando eu olhava para o céu cor de anil,
você passou e nem me viu.
Pertubando toda minha calma.

Não sou Lázaro,
mas alguns vira-latas já lamberam minhas feridas d'alma.

Alma essa que me enxerga sem me ver,
que me saboreia sem sentir meu gosto,
que me masturba sem me tocar,
que me enlouquece lucidamente.

Eu, então, passei a te perseguir.
Há duas horas digo que vou embora
mas continuo aqui.

Às vezes acho
que você é uma pequena grandeza,
já que sei muito bem
que para o amor
não se põe mesa.
Mas de repente, eu caio do cavalo.
Chorar? Em que ombro?
Já que a sensação de estar caindo
é mil vezes pior do que a dor do tombo?

Me xingo, me humilho,
me rasgo, me ajoelho,
me olho no espelho
ou leio um livro de Paulo Coelho.

Mas eu fico na minha.
Você fica na sua.
Uma inspiração me cobra
A criação que na verdade é sua.

Passeamos embaixo da terra,
Em cima do cèu,
Dentro do mar.

Viajamos na frente do ônibus,
Submerso ao navio,
Rasante ao avião,
Tudo é um só coração.

Olho para trás não há ninguém,
Nenhuma pessoa, nenhum espírito, nenhum perispírito,
Nenhum sinistro coelho nos roendo a carne como legume.

E será que chegamos lá?
Será que vamos alcançar
algum rabo de cometa?
Alguma hélice de helicóptero?

Alguma asa de beija-flor?
Algum canto do sabiá?
Só Deus o saberá.

E juntos éramos uma luta, uma abertura, uma cultura.
E juntos éramos uma dinastia, uma energia, pura poesia.
E juntos éramos uma ilusão, uma consagração,
verdadeira fusão da realidade com a paixão
no Brasil da minha imaginação.




Mania de Mar


Na primeira vez que eu vi o mar
Eu não entendi nada
Tinha acabado de acabar a madrugada
E o azul que estava em cima
Era diferente do azul que estava embaixo
E a formosa linha sem cor estava ali no meio.

Hoje eu me amarro no mar
Minha mãe tem medo do mar
Meu pai não tá nem aí pro mar.

A mulata que entra
O moreno que sai
A sardinha que pula
A gaivota que cai
De boca
Na ostra.

Jogam merda no mar.
Meu Deus.
Por que fazem isso com meu mar?

Mergulho no mar que não muda
Deixo molhar em meu dorso sua espuma
Vejo o mais destemido surfista e sua prancha
Vejo a mais libidinosa mocinha e sua tanga.

Isso não é nada frente a imensidão do mar
Que é traiçoeiro
Que é cancioneiro
Que é poderoso
Que é misterioso.

Que tem maresia
Dentro de sua poesia
Que rola na areia
nos olhos da sereia
Cansada de chorar
Choro salgado de mar.

O mar tem mania de não sair de moda
Ele molha nas pedras suas histórias
De piratas e marinheiros
De caravelas e navios negreiros.

O mar invade meu nome
Se fundindo com o cio
Mar-Cio
Marcio
Essa coisa me melhora
A cada hora de minha molusca existência
Mesmo que isso não encha os olhos de ciência.

Não me cando de viajar
Quando danço com o barulho do mar
Lembro da bela deusa que nasceu do mar
Lembro de tudo que o mar dá
Me esqueço de tudo que o mar pode levar.

Que um dia o mar me leve
Para o fim de seu infinito
Através da carcaça de uma baleia
E eu ilustre habitante dessas ondas
Possa andar por entre as conchas
Contemplando o fascínio d'alem mar
E que meu coração romântico
Se lance no Oceano Atlântico
Onde ele nunca há de parar.




Amor Anormal


Sentir o proibido não é nada
Pior é aceitar o proibido
Num rumo qualquer de estrada
Ou na dolorosa manha da libido.

O outro não quer minha atormentada insônia
Muito menos que eu mude meu misterioso hábito
Só quer sentir o sufoco e o cheiro de sua agonia
Dentro do denso aroma que sai de dentro do meu hálito.

Não é nada atender o desejo do outro
Pior é fazer com que esse desejo seja também seu
E ver dentro da lama do outro o ouro
Acreditando que o calvário é um doce himeneu.

Entregar-se à perversão passiva
É muito difícil como cômoda intolerância
Que revertida em condição da vida
Brota em nosso peito uma vacância.

Da janela da minha casa
O vento me beija numa linha retílinia
Mas vejam: estou sem graça.
Lembrei-me que esta casa não é minha.

Olhe só toda a beleza
Que a morte desta tarde nos oferece
E preste atenção em toda destreza
De me encantar com seus olhos de quem não me conhece.

O futuro me assusta muito
Com a ajuda do tempo me agride
Com ameaças de sérios infortúnios
Onde o chão sob meus pés resiste.

O outro também quer me dominar
Como o futuro e o tempo ele também é assim
Com frieza e crueldade quer me usar
Sem saber que também será vilipendiado por mim.

Com seu cinismo ele comanda a brisa louca
Transforma nosso encontro num fato casual
Ele quer sentir o odor de seu sêmen em minha boca
Mas isso são sonhos imundos que povoam minha cama de casal.

Em seu feitiço ele busca uma corda de banjo
Em seu silêncio ele busca um bocal de clarineta
Pares de asas vermelhas de anjo
Pares de chifres brancos de capeta.

O outro sou eu num idílio híbrido
o outro somos nós num dilacerado momento.
Que desenha o amor anormal e ilícito
Num papel invisível rasgado pelo vento.

Esse amor que por se ousar existir
Subvive a margem do planeta
Prestes a se deixar cair
E ser amparado por um rabo de cometa.

Não sei o porquê de todo esse desprezo
Se tudo que aí está é amor
Queria falar de todo o meu desejo
Sem causar deboche nem horror.

Pois o outro me reconhece como um mero conhecido
Me cumprimenta como um qualquer que por acaso me vê
Conversa comigo como um velho e intímo amigo
E pede meus carinhos com a carência e dengo de um bebê.

Dedico esse texto a memória de Clarice
E continuo sufocando a minha agressividade
Pois a anormalidade me disse
Que o amor e a arte é que salvarão a humanidade.




Homem-Peixe


Pulou para fora do aquário
Rastejou-se no carpete
Procurou um mar imaginário
Sem que ninguém soubesse.

Rolou da escada
Querendo alcançar a rua
Chegou até a escada
Saiu embaixo da chuva.

Seguiu pegadas
Deixou vestígios
Descamou-se em estradas
De delírio.

Atravessou pistas
Chafurdou na lama
Prejudicou as vistas
Machucou as barbatanas.

Mergulhou em poças
Refugiou-se no cais do porto
Esbarrou em louças
Sem nenhum conforto.

Buscou um barraco
Um pedaço de vitirne
Uma peça de teatro
Um roteiro de filme.

Um conto
Uma canção
Ficou sem ponto
Sem noção.

Nada encontrou
Nem mesmo um tema
Só se encaixou
Neste poema.




Caçada dos Instantes


É um antigo sonho que se rematerializa
Em formas insanas e incoerentes
Uma tela que se repinta em cores diferentes
Nela dois sinistros pequenos círculos próximos
Me perseguem pelo quadro de imagem árida
Penso que são seus firmes olhos
Mas são os penetrantes olhos de uma águia
Ao despertar não consigo conter o motim que há no leito
Dos fragmentos que surgem no meu ócio
Como um fino som agudo no peito
Surgido aos poucos no fundo do silêncio
Os fragmentos são meus queridos amigos fantasmas
Testemunhas únicas do ouco nascedourode minhas palavras
Arautos de um cruel pôr-do-sol que invade
O crepúsculo evasivo e selvagem de antigas horas
Mas lembro que antigamente as tardes
Eram mais tranqüilas, quase mortas
Na caçada dos instantes
Reverberam inúteis certezes cínicas, incessantes
Vigiando tempos
Perscrutando previsões
Acossando momentos
Tocaiando as ocasiões
Tudo constantemente uma coisa na outra implica
Nada nasce do nada
E até o nada se recicla.





* Marcio Rufino - Entrevista

2 comentários:

  1. Márcio Rufino!

    Excelentes poemas. O do mar é lindo demais!

    Parabéns, poeta!

    Beijos

    Mirze

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  2. Parabéns Marcio Rufino...

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