terça-feira, 8 de novembro de 2011

MARCIO RUFINO - ENTREVISTA Nº11




EntreGêneros: Ator, escritor e educador. Esse é Marcio Rufino. Como se desdobra para dar conta de tantas atividades e de que forma se dedica a cada uma delas. Gosta mais de alguma em especial?

MR: Tudo parte do prazer que eu sempre tive desde muito pequenininho de vivenciar o lúdico, o onírico, o sonho, o faz-de-conta. Os contos de fadas, os programas infantis da  minha infância, os gibis despertavam em mim o gosto pela arte da ficção e suas várias formas de linguagem. Na adolescência comecei a experimentar o teatro com o qual tive grandes e pequenos períodos de intervalos, de idas e vindas. Nesses intervalos a solidão me levava a poesia, a literatura. Durante a faculdade de História descubro que é cada vez mais fundamental esses recursos na prática pedagógica. A paixão me ajuda muito nesse caso.

EntreGêneros:  Ser educador não é tarefa fácil.  Conte-nos um pouco sobre o seu trabalho como agente educador de cultura  do projeto bairro-escola na rede municipal de ensino de Nova Iguaçu e como Integrante do grupo cultural Pó de Poesia. 


MR: Eu já estava no quarto período da faculdade de História quando um colega de turma que é músico me falou dessa função onde ele já atuava. Foi através dele que eu entrei. O agente educador de cultura ou mediador cultural era uma entre as várias funções do Projeto Bairro-Escola que er uma alternativa do, até então, prefeito do município de Nova Iguaçu Lindberg Farias de preencher o tempo ocioso dos alunos das escolas do município com atividades culturais, esportivas e de auxílio pedagógico, constituindo assim um horário integral através da educação construtivista tão defendida por Paulo Freire. Podíamos trabalhar com as crianças teatro, poesia, artes plásticas, música, entre outras linguagens. O meu foco principal era a contação de histórias onde eu fazia fantoches com as crianças a partir de materiais recicláveis como folhas de papel, jornais, envelopes, caixas de leite, dedoches de cartolina. Era tudo muito bacana. Trabalhava muuito Monteiro Lobato, Câmara Cascudo, Malba Tahan. Poesias de vários autores. Funcionava como estágio, mas era feito tudo com muito prazer. Me sentia uma esp´pecie de Dona Benta ou Tia Nastácia de calças (risos). Foi um dos trabalhos que eu mais gostei de ter feito. O Pó de Poesia foi uma iniciativa da poeta, professora de Literatura, arteterapeuta e coordenadora pedagógica Ivone Landim em criar um grupo cultural que tivesse na linguagem poética sua principal linguagem. Ivone é uma mulher muito alegre, dinâmica e muito bem articulada. Sempre foi muito envolvida com a vida cultural da Baixada Fluminense. Naquela época por volta de 2007, 2008, nos esbarravamos muito em dois saraus muito bacanas que rolavam aqui na cidade de Belford Roxo onde moro que eram o Poesia na Varanda e Poesia na Câmara ministrados por Sylvio Neto, um poeta muito importante da região. Eu e Ivone já éramos fãs da poesia um do outro. Circulávamos em todos os saraus da Baixada Fluminense. Até que numa mesa de bar ela idealizou o grupo. Ela já tinha feito parte do Desmaio Públiko, um importante grupo de poesia que brilhou em Nova Iguaçu  nos anos 1990. Acabou batizando o novo grupo de Pó de Poesia, um nome meio místico, mas que eu achei maravilhoso. Daí fizemos as primeiras reuniões e leituras de poemas em bares, escolas, praças e centros culturais. Eu, ela, o poeta e pedagogo Jorge Medeiros, o cantor e compositor Dida Nascimento e alguns educadores e produtores culturais. Foi nessa época que criei o blog dogrupo e o meu pessoal; o Emaranhado Rufiniano. O Pó promove saraus e rodas de leituras. Um dos principais eventos promovidos pelo grupo é o Sarau Donana, evento realizado uma vez por mês no Centro Cultural Donana que é um importante espaço que nos anos 1990 judou a revelar bndas de reggae muito importantes como o Cidade Negra e alguns músico do Rappa. Recentemente Ivone criou o fanzine.


EntreGêneros: E como ator, como se desenvolve seu trabalho?  Como foi a experiência de atuar na peça teatral "Che Guevara" de John Vaz e Lula Dias? Em que outras peças atuou?

MR: A minha história com o teatro é de idas e vindas. Desde menino sempre fui fascinado pela arte de representar. Minha única vitrine de sonhos era a televisão, já que o teatro não fazia muito parte da realidade da minha família e só ia ao cinema quando saia filme dos Trapalhões, que não era sempre. Era nas novelas que eu tinha contato coma ficção. Aos treze anos fiz o meu primeiro curso de teatro no Arcádia em Nova Iguaçu que era uma espécie de Tablado da Baixada Fluminense. Em 1992 fiz um curso de Interpretação e Teatro Brasileiro com o ator Luiz Carlos Persy, onde conheci o ator, diretor e autor teatral Jonh Vaz que alguns anos mais tarde me chamaria para fazer Che Guevara, peça escrita, dirigida e protagonizada por ele mesmo que interpretava o papel-título. A peça fazia parte da mostra Cuba e o Socialismo realizado no Teatro do Museu da República em 2001; e era uma reconstituição do que teria sido os últimos momentos de vida do revolucionário quando ele estava cativo em La Higuera, na Bolívia antes de ser executado em 1967. Eu me revezava em quatro papéis um soldado, um oficial militar, um capitão que interrogava Che e o Sargento Terán que teria recebido a ordem de executar Che. A peça foi escrita a partir de relatórios liberados pela CIA e pelo Governo de Cuba e por depoimentos da professora Julia Cortez que foi uma das ultimas pessoas que teve contato com o guerrilheiro. Abríamos o espetáculo com um discurso de Fidel Castro em off e encerrávamos com um discurso do próprio Che. Ficamos em cartaz durente um ano. Sempre com muito sucesso. Jonh até hoje circula com o espetáculo por toda a América Latina. Depois fiquei um longo período afastado do teatro e no início desse ano acabei passando no teste da Companhia Queimados Encena para integrar o elenco de O Inspetor Geral, adaptação livre do encenador Lino Rocca para o texto clássico de Nikolai Gogol. Mambembamos por várias praças do Rio de Janeiro, já que a montagem era de teatro de rua. Atualmente faço teatro infantil com o frupo Cochicho na Coxia de Mesquita. É muito bom fazer teatro com os grupos da Baixada Fluminense

EntreGêneros:  Fale-nos um pouco sobre a sua participação no excelente Zine  "Gambiarra Profana". 


MR: O poeta e artista multimídia Sergio Salles-Oigers, criador do grupo Gambiarra Profana o define como "a união feita aos trancos e barrancos de analfabetos, semi-analfabetos e intelectuais". O Gambiarra foi uma maneira  que Sergio encontrou de fazer circular sua poesia e de outros amigos poetas do bairro Nova Aurora, em Belford Roxo, através de fanzines, andando sempre à contramão das grande edições de vanguarda. isso foi há doze anos. Há três anos eu, Arnoldo Pimentel e Jorge Medeiros, que já fazíamos parte do Pó de Poesia, entramos dando um novo gás, já que o grupo andava meio desarticulado. O Gambiarra Profana, hoje promove saraus prismando sempre pela simplicidade, ousadia e irreverência. Mantém uma parceria com o Folha Cultural Pataxó editando artesanalmente, mas com muito bom gosto livros de poetas e autores da região. Em suas performances e saraus abraça todos os tipos de manifestações artísticas e culturais. Desde a leitura do jovem adolescente aprendiz de poeta até o cantor amador de MPB, música sertaneja ou gospel; desde o mais careta, acadêmico poeta até um show de travesti. Tudo com muita democracia. Sem regras ou muito menos preconceitos.


EntreGêneros:  "Por isso sou negro/ Porque não quero/ Que falsos sorrisos e hipócritas políticas/ Substitua chibatas". Esse é um dos versos de seu poema Negritude. Você sente algum retorno nessa sua abordagem da consciência negra?


MR: O retorno é sempre muito positivo. Até mesmo porque acho que as pessoas estão muito cansadas de todo esse discurso afro e querem um pensamento, uma ideologia que esteja mais ligada a nossa vida de negros brasileiros, latinos americanos. África não pode mais ser a razão, o sentido de tudo e sim uma importante referência. Temos que compreender porque questões da Abolição ainda não foram resolvidas. Porque a maioria dos jovens que se envolvem em assaltos, roubos e tráfico de drogas são negros ou descendentes de negro. Cada vez mais tenho o desejo de ser reconhecido com negro artista, cidadão, intelectual, mas brasileiro. Só assim podemos diversificar cada vez mais a nossa cara seja na mídia, na ONU, ou seja lá onde for.


EntreGêneros: Como começou seu namoro com a escrita? Quais suas leituras e autores inspiradores?

MR: A literatura começou muito cedo na minha vida. Eu adorava fazer redações. Engraçado que não começou pela poesia. Começou pela prosa. Adorava criar histórias. Isso se deve muito por eu ter assistido o Sítio do Pica pau Amarelo na infância. Eu queria entrar pela tela da televisão, correr por aquele varandão imenso e conviver com aqueles personagens muito loucos (risos). A Emília era a personagem com que eu mais me identificava. Depois meu pai me presenteou com a coleção completa de Monteiro Lobato e me choco com a Emília. Descubro que ela é meio barra pesada para personagem de literatura infantil. Uma boneca de pano que se permite as maiores mazelas do ser-humano. Mas mesmo assim aquilo tudo continuava me fascinando. É quando eu descubro o folclore, a mitologia grega, o teatro de Shakespeare. Nos tempos de colégio líamos além dos textos dos livros de Comunicação e Expressão (antigo nome como a matéria Língua Portuguesa era conhecida), os livros da coleção vaga-lume; O Caso da Borboleta Atiria, A Serra dos Dois Meninos, Éramos Seis. Anos mais tarde, já na juventude entro para o curso de interpretação da atriz Camila Amado e sou apresentado de forma sublime a literatura de Clarice Lispector, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Carlos Drumond de Andrade, Mario Quintana. Em meados dos anos 1990 começaram as performances teatrais de poesia; Elisa Lucinda com O Semelhante, Bianca Ramoneda com Só. Na Zona Sul o Chacal fazia sucesso com a trupe do CEP 20000. Aqui na Baixada tinha o Desmaio Públiko, grupo alternativo de poesia que apresentava suas performances em bares e praças de Nova Iguaçú e que tinha poetas que hoje são referências na cultura da cidade como Moduan Matus, Sil, Cezar Ray, Lírian Tabosa, Eud Pestana, entre outros. Isso tudo ao mesmo tempo em que eu descubro Machado de Assis e Fernando Pessoa, minha maior paixão poética versalmente falando.

EntreGêneros: Em seu poema Indócil Idílio você fala sobre sentimentos como solidão, melancolia, amor, orgulho. Os sentimentos humanos são constantemente motivação e tema na escrita poética. O quanto você expõe de suas próprias emoções ao escrever? 

MR: Os meus primeiros poemas foram muito marcados pela carência afetiva, pelo desejo de liberdade e pela solidão. Por isso que eles são tão longos de tão complexos. Muitos poemas podiam se desmembrar em vários outros poemas. Muitos cortes. As metáforas não tinham nada a ver umas com as outras. Na verdade era um desabafo. Gritos presos na garganta de tão profundos (risos). Gritos abafados pelas convenções, tradições, regras e valores que a sociedade impõe. Hoje vejo que meus poemas são um pouco mais bem comportados, amadurecidos. Sinto que até mesmo sem eu querer há um compromisso maior com as rimas, os decassílabos, com o sentido do poema como um todo. A minha poesia é um amálgama de sentimentos e impressões onde uma imagem gera a outra.

EntreGêneros: Você possui algum livro publicado? Tem algum projeto em andamento? 

MR: Em 1998 lancei pela Kro-Art, selo da editora Lítteris o livro de poesia Doces Versos da Paixão. Estou com quatro livro engavetados Emaranhado, Caçada dos Instantes (poesia), Aldebarã e seus amigos (literatura infantil) e Pequenas Livro das Coisas Que Não Tem Tamanho (contos e crônicas).

EntreGêneros: "Marcio é maravilhoso /Marcio é divino /Marcio é moço fino /Rufino é homem com olhar de menino /Marcio é decidido /Marcio é mestre, brilha no ensino /Marcio é guerreiro... /E nesse Emaranhado Rufiniano, quero me emaranhar." (Camila Senna)
Fale-nos um pouco sobre você; sobre a pessoa além dos personagens de ator, escritor e educador. 

MR: Esses versos são de uma jovem poeta e amiga Camila Senna que também é integrante do Pó. Falar da Camila me comove muito. Eu vi Camila nascer. Seus pais e avós paternos eram meus vizinhos. Um dia presenteei o pai da Camila que era policial e muito amigo meu com o Doces Versos da Paixão. Infelizmente tempos depois ele acabou sendo morto. A família passou por problemas. Aí mais tarde reencontro Camila. Linda, casada, mãe de três filhos lindos e escrevendo poesia. Não perdi tempo e acabei convidando-a a integrar o Pó de Poesia com a gente. A poesia da Camila tem a superação, a força de uma fênix, misturada com a docura de uma Penélope que tece com melancolia e esperança fio a fio, metáfora a metáfora o poema. Ela diz que foi o Doces Versos que a inspirou. São essas pequenas delicadezas, presentes da vida que nos impulsiona a escrever além, é claro, da necessidade de se expressar através da linguagem. É a troca. Como dizia Vinícius de moraes, a arte do encontro. Não é ser considerado um bom ou mau poeta, ator, educador, ou seja lá o que for. Mas a energia, a força, a paixão com o que você concebe as coisas. Quando criamos algo, fazremos parte de um movimento artístico ou cultural reverberamos em nossa volta várias forças ocultas que nos entrelaça com outras forças, gerando um fluxo de energia que nos faz nos relacionarmos em torno de um eixo significativo. Sinto que é assim comigo e meus amigos do Pó de Poesia, Gambiarra Profana, dos grupos de teatro que atuo e meus amigos poetas da internet como você, minha querida Ianê. Não sei se sou todas essas coisas maravilhosas que minha amiga Camila escreve tão generosamente em suas doces palavras. Mas sei que a energia intensa de amor e paixão que coloco em tudo que faço é que dá essa impressão.

EntreGêneros: Obrigada Marcio. Foi um prazer tê-lo conosco e poder conhecê-lo um pouco mais.

MR: Muito obrigado a você, minha querida. Pelo seu imenso carinho e generosidade. Te amodoro demais. Bjs!!!



Marcio Rufino no Espetáculo infantil, atualmente em cartaz, O Livro Mágico da Emília, de Renato Penco, com o Grupo Cultural Cochicho na Coxia, de Mesquita.




Marcio Rufino na peça Esperando Godot de Samuel Becket




* Marcio Rufino - Biografia
* Marcio Rufino - Poesias

5 comentários:

  1. Que linda trajetória, Márcio! Conheço e apoio todos os grupos de "contadores de histórias".

    É maravilhosa sua arte.

    Parabéns!

    Forte abraço

    Mirze

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  2. Querido amigo, estou impressionada coma sua versatilidade, mas compreendi que é o amor pelo que faz que o move e isso é tudo.
    Amei fazer essa matéria com você. Conhecer um pouco do ser humano lindo que você é.

    Parabéns pelo seu talento, pela seu gás e muito sucesso sempre.

    Beijão.

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  3. Márcio, você sabe que há tempos o admiro. Como ser humano, como amigo, enfim... Como poeta, de verdade, você me influenciou inspirando-me sem saber. Lia seus versos com muita vontade e necessidade. Sua poesia é ímpar.
    Beijo meu amigo.
    Luz demais.

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  4. Maravilhosas suas atividades ator,poeta e escritor Márcio, meus aplausos.
    Um grande abraço.

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  5. Márcio, fiz um comentário(deu error,talvez não publiquem). Quero lhe parabenizar pelas maravilhosas atividades artísticas,suas poesias e textos são magníficos,parabéns.

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