sexta-feira, 18 de novembro de 2011

PEDRO BELO CLARA - POESIAS




"De um Tempo em ruínas" 




                                            
Numa clareira, no centro da floresta de betão,
Rodeados por detritos de velhos muros de tijolo
E por sólidos pedaços de cimento quebrado,
Dançam as gentes do seu arruinado tempo
Num devaneio global, torneando uma fogueira
Que, subida, queima os descartáveis retalhos
Das suas existências toscas e sem significado.


Com seus pequenos olhos de plástico revirados,
Acenam de quando em vez à população vidrada
Que em silêncio assiste e oscila a sua cabeça
Em sinal de concórdia com o ritmo que escutam,
E logo continuam o ritual, por demais alienados
Para escutar ou entender o além fronteiras –
Há que acalmar a ira destrutiva de seu Senhor.


Mas o mantra zumbido transforma-se em grito – 
A desesperada tentativa de abafar o vazio
Que em seu âmago se vai dilatando ainda mais – 
E toda aquela imagem de súbito se acelera:
Correm e saltam em volta das vivas labaredas
Num acorde muito intenso, louco e desapegado,
Entoando cânticos com as palavras de ninguém.


Estão rendidos aos cintilares da sua alucinação
E aos Ídolos que tomam por únicas verdades,
Mas servem a vontades de uma figura oculta
De cujos dedos provêem as cordas que os atam
E de cuja voz ressoa a ordem da sua debilidade. 
Ajoelham-se como numa contemporânea oração 
E louvam os benefícios do seu Deus de néon.




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Caem as chuvas tropicais
Através da cálida humidade
Que paira pelas colunas erguidas
No brejo do descontentamento,
Marcadas pelas heras vampíricas
E pela erosão de um rude vento
De hálito seco e pestilento – 
Há algo de acre que se decompõe.


Voam, inquietos e irregulares,
Os mosquitos da desarmonia,
Enfeitiçados pelo breve veneno
Das longas palavras peçonhentas
Cujos ecos aqui ausculto, como mancha,
Em busca de uma qualquer presa 
Que se oculta nas malhas de um jogo
Onde aquele que caça é, na verdade,
Aquele que acaba impiamente caçado. 


Mas as palavras ainda ressoam,
Tinindo como se cada uma das letras
Possuísse um pequeno sino de aviso,
Impedindo o seu eterno olvidar;
Vêem de longe, muito para além
Dos cantares quase tribais
Que se fazem ouvir de arrasto
E das fogueiras dos acampamentos
De andarilhos junto ao rio de bronze,
Atravessando a estagnação
Deste campos de quieta evolução
Com os anexos de sentires e de tons
Ribombando ainda abafados.


Afasto-me de seu efeito,
Como se possuísse algum repelente
Capaz de o fazer esmorecer,
Esvazio o saco que se completou
Pelas peripécias dos encontros
E começo a pescar negras borboletas 
Numa pequena nuvem de pó,
Observando o traço que se esboça
Pelo fumo de uma parte deste mundo
Que à distância se faz notar, tão altiva
Como a sua industrialidade decadente.  




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Imergindo na multiplicidade
De amplos reflexos aleatórios,
Um denso vulto, incógnito,
Consome-se por entre suspiros
De um silêncio consentido.
Oculto por entre os objectos
Que adornam o seu espaço,
Fantasiado de Vazio Absoluto,
Embala num copo largo o licor
Do pensamento amadurecido,
Mas demasiadamente torpe
Para dele exalar um sentido.


Perante o inflamar dos toros – 
Um ocioso contar de instantes –
Prostrados na breve lareira 
Das fornalhas da destruição,
Exibe o ténue traço de quem
Retém múltiplas alucinações – 
Sonhos, Desejos e Ânsias. 
Inquieta-se e desespera por algo,
Por perseguir, talvez, as pisadas 
Dos ratos de sua consciência;
Mas as correntes que possui
Somente em ilusões mentais
Toldam-lhe os movimentos – 
E todo o esboço de célere acção 
É uma idealização colorida.


Por entre seus sonos sombrios,
Aguarda apenas, obediente e
Desprovido de luminosidade,
Por aqueles que lhe lançarão
Os ossos do efeito não indagado,
Pelas mãos que surgirão através
Da negra cortina de seus olhos,
Em irónica piedade ofertando
A esmola de sua benfeitoria.


Ainda não se formou a hora
Da luz rarefeita…




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Esvai-se, empeçonhado e lento,
O rio que carrega os sobejos
Da vivência voraz e entorpecida;
Esvai-se e divide-se por entre
As bifurcações talhadas no solo
Infecundo que nada sustenta,
Nem os rostos de uma morte.
Sob este longo céu de despejo,
Diluem-se pela brisa fumegante
Os dignos louvores daqueles que,
Pela margem, se demoram na
Exaltação das formas disformes
Do rio cinzento que se esvai.
Pudera! Em suas vidas insípidas,
Hábito se fez do elogiar tamanha
Podridão, tamanha ausência
De engenho ou algo enobrecido – 
A incapacidade traja roupagens
De soberba Rainha, incontestável.


Eu, que pela soturnidade exalo
Lamentos que poderiam ser alegres,
Sonhei com os dias translúcidos
E com as noites de puro esplendor…
Como o cristal de tal futuro deveras
Baço se encontra, quase quebrado,
Num coração de sonhador assome
A solidão apertada da imagem 
Criada e jamais vista… Proscrita!
Sim… Quem mais os ama, 
Mais por eles amargura…




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Era uma visão, a visão de um dia
Que aguarda o seu conceber,
E a ocorrência que se entendia
Deveras impossível de ocorrer.
Todo o certo se deu por incerto,
Todo o bom valor se depreciou,
O longe logo se anunciou perto
E o impensável se concretizou.


Era uma visão, estranha visão
De um motim de Era reprimida:
A Fúria, a Revolta e a Agressão
Palpitavam na Face Oprimida
E os Espectros de um Outrora,
Assombrações insuportáveis,
Bailavam até ao raiar da aurora
Em seus farrapos camufláveis.


Reinavam os escravos em júbilo,
Obravam os Reis, humilhados,
Os loucos em seu sadio rejúbilo 
E os sempre sadios, tresloucados;
Ruíam os simples – não o vaidoso
Que à sua condição se remetia –
E ascendia o avarento ardiloso, 
Que em seus desejos se desmedia.


Reclamavam, sem saber, o pó,
Uma imensa terra de ninguém
Nas ruínas de uma débil Jericó,
Entregue aos Ventos do desdém.
Mas desse Nada floresceu o Tudo,
Pois a Verdade é dos Verdadeiros,
Abençoados pela capa de veludo
Do Amor, o mais firme dos esteiros.






*Pedro Belo Clara - Entrevista

2 comentários:

  1. Excelentes poemas onde principiamos numa clareira.

    O Onírico e o lirismo fundem-se em uma beleza ímpar!

    Parabéns, Pedro!

    Beijos

    Mirze

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  2. Cara Mirze,

    Agradeço suas simpáticas palavras, tão bem impressas neste seu elogioso comentário.

    Apraz-me saber que gostou.

    Beijos.

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