domingo, 1 de janeiro de 2012

SÃO GONÇALVES - POESIAS





No ventre da terra




Era do ventre da terra que nascia aos poucos como quem tem medo de enfrentar a luz do mundo. No entanto trazia com ela toda a clareza e o brilho de quem ainda nada conhecia dele.


Acariciava a terra devagarinho, sentia-lhe os cheiros e os sabores e deslizava de mansinho por entre as curvas novas do seu corpo ainda por explorar.

Trazia no fundo de si a dor de quem já sabe tudo da vida, mas escondi-a no seu coração. Queria ser livre e descer as encostas de mansinho, sem pressas,sem temores, apenas a vontade de crescer livremente nas serranias e ser fruto suculento nas margens de algum viver. E as árvores novas e antigas saudavam-na a sua passagem, matavam a sua sede nas gotas que lhe saciavam as raízes, e só isso bastava-lhe para ser presente nas entranhas da terra que a viu nascer.

Temia muitas vezes os  vendavais que furiosos a atiravam para fora dos seus limites, mas temia muito mais a nostalgia dos tempos em que ainda era um pequeno riacho que brincava subtilmente por entre a folhagem densa e desconhecida.

As entranhas fecundas da terra,nem sempre era um leito doce e sereno por onde gostava de deslizar,havia muitos obstáculos a enfrentar e do húmus da terra que escondia o terror dos seus dias a desviava das rotas a conquistar.

E descia as serras, deslizava de mansinho nos prados e voltava a ser força e coragem quando os ventos enfureciam o seu percurso, não temia as quedas, era então beleza e força, luz e escuridão. 

Misturava-se com as pedras e explodia nelas com força de um vulcão.

Depois quando já calma das quedas deixava-se deslizar num leito de águas calmas, namorava o sol.e a lua, vestia-se das matizes coloridas das flores que via passar e era um rio nascente de luz e esperança correndo por entre as pedras no seu silencioso caminhar.



Pulsar




Na beleza de uma imagem invento um mundo de cores e gestos simples.
de toques e mensagens subtis...

Invento um novo olhar
um novo sentir
...um puro respirar....

Invento sonhos
esperanças
caminhos seguros
a emoção
de novos horizontes
de renascentes
pulsares.




Janela milenar



Já não olho para traz

o meu sonho está alem

no azul do mar

espelho vidrado

das mais longinquas

conquistas

e no futuro incerto

na cidade distante

quimeras do meu amar.

E eu viajo no tempo

por rotas desconhecidas

contemplo para lá

desta janela

o passado esquecido

ou um futuro prometido.
Já nem sei se sou a história

vestida de longas viagens

de marinheiro perdidos

no convés de um barco

a deriva no mar

olhos sedentos

de novas mirangens

talvez seja o futuro

pintado em telas

multicolores

um mundo

vestido de azul celeste

um jacto conquistando

galáxias perdidas

ou apenas o sonho

de ser mais

para alem do olhar

que me dá

a paisagem

que contemplo

para lá

desta milenar

janela.




A luz que preciso



Esqueço-me do corpo
do tempo que passa
deste céu cinzento
deste tempo frio
e agarro o sol
com as duas mãos

contemplo a luz

o céu claro
a nuvem tímida
que passa
aqueço o corpo
ilumino o olhar
e sigo


um caminho novo

nos trilhos a esperança
as forças renovadas
doses de luz
o olhar renovado
o corpo erguido
esqueço o cansaço
dou-me por inteiro

ao sol

a luz que preciso
mais que a um abraço
uma palavra de amigo.



Uma partícula de sol




Guardou na sacola que sempre trazia consigo,,
as imagens desfocadas que lhe povoaram os sonhos,
as memórias enfraquecidas pelo longo caminhar.
aprendera que já nada queria trazer consigo,
do que fora,do que tinha sido,
queria esquecer os trilhos em que caminhara
os leitos desfeitos e frios dos amores ausentes.
Só o aqui e o agora interessava,,
mesmo que tivesse de muitas vezes de arrastar o corpo entre luzes e sombras.
e vivia assim,muitas vezes entre a sombra das luzes que teimosamente perseguia
Era cem vezes melhor viver nas sombras da luz,do que ser a luz que cega o olhar......
Já nada importava,tinha conseguido aquilo que procurara durante toda uma vida.

Aprisionar uma partícula de Sol na pontas dos dedos.

e será sempre presença ausente ,num mundo descrente,mas será o calor e luz .....
e será sempre um ponto brilhante nos caminhos dos que quiserem partilhar a mesma estrada......

De tempos a tempos os raios ganharão asas e voarão entre céus e mares
e serão pontos brilhantes no infinito
palavras soltas guias de novos olhares
dos peregrinos em busca de fé......
e serão o calor do alento
o abraço que acalma o tormento.
o sabor de novas iguarias
dos famintos de desejo em busca
de novos paladares.

E será sempre uma partícula de sol, nas mãos dos que quiserem acreditar....




São Gonçalves




SÃO GONÇALVES - ENTREVISTA Nº 14







EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre a sua origem. Sua infância na aldeia em que viveu em Frossos (Portugal), seus estudos, suas vivências, sua trajetória de vida, fatos que contribuíram para a sua formação como pessoa.

 SG: Eu nasci a 1º de janeiro de 1968, adoro ter nascido neste dia, é um dia que marca para sempre a vida, é o começo de mais um ano, de novas promessas, promessas de renovação,talvez por isso eu tenha passado  a minha vida a renovar-me ,em tudo o que esta palavra pode significar. Nasci no seio de uma família humilde, o meu pai operário fabril, a minha mãe dona de casa. Vivi aqui até aos 19 anos. Fiz o ensino primário, a quarta classe, portanto, e nesta altura a minha professora primaria pediu ao meu pai para me deixar continuar os estudos, ele achou que não valia a pena. Nunca mais esqueci a conversa ente o meu pai e a minha professora. Durante estes anos, trabalhei na agricultura, os meus pais tinham terrenos e gado. Foi um período importante, sei-o hoje, vive-se de outra forma, seguindo os ritos e os rituais da natureza, das estações do ano, das sementeiras e das colheitas e isto também nos forma interiormente.
Já nesta altura li-a muito, o meu pai pedia para lhe ler a noite em voz alta as lições do livro de leitura, contos de Maria Alberta Meneres,  António Torrado,entre outros. Frequentei a catequese durante muitos anos e todos os domingos fazia a leitura das liturgias dominicais, fazia então parte de um grupo de jovens da aldeia. Algumas pessoas emprestavam-me livros para eu ler. A leitura foi portanto uma constante na minha vida.
Tive a sorte de ser a mais nova de 6 irmãos,sempre me senti muito  querida e protegida por eles.
Um casal também me “adotou”, digamos assim,tinham dois filhos que eu guardava quando saiam,foram os meus primeiros “meninos” o Jorge e o Roberto, uma vivência que me marcou para a vida no sentido positivo.
A infância é um período onde absorvemos tudo o que nos rodeia e sinto que trago comigo todas as coisas boas e as coisas que me marcaram na negativa, tudo isto me formou o caráter e a personalidade,t ornando-me na pessoa que sou hoje. Sempre tive o sonho de ser professora, a vida não me deixou realizar esse sonho , mas hoje sinto-me realizada de uma outra forma.
Aos 19 anos, parto para Lisboa, numa aventura que nunca mais teve fim, fui empregada doméstica, estudei de noite e durante 5 anos vivi com uma senhora de idade  em São João do Estoril, onde fui acolhida pela família como mais um membro.As filhas todas doutoradas ajudaram-me  imenso nos estudos. Aqui tive tempo para ler e li dezenas de livros.
Foram os melhores anos da minha vida, anos de crescimento, de transformação e de enraizamento da minha paixão pela literatura.


EntreGêneros: Que ventos a levaram ao processo da escrita? Quando começou a escrever? Em que fontes literárias buscou sua inspiração?


 SG: A vida dá muitas voltas,e aos 39 anos passei por uma fase menos boa da minha vida,foi preciso mais uma vez reconstruir-me,e a leitura foi mais uma vez a ajuda inquestionável desta reconstrução,Com o livro “Mais Platão e menos Prozac” de Lou Marinoff, aprendo de como se pode resolver os problemas da vida através da leitura e do estudo das grandes correntes filosóficas,basta enquadrá-las e aprofundá-las nas nossas vivencias e nas nossas angústias existenciais.
Também numa perspectiva feminina, o livro de Nathalie Durel Lima “O feminino Reencontrado” me ajudou a compreender a fase em que estava a passar e encontrar a energia, a sensibilidade e a criatividade que estavam escondidos. Foi um grande processo de transformação e crescimento e de aceitação das minhas forças, mas também das minhas fraquezas. O reencontro com a mulher que estava para renascer.
Não sei se a minha inspiração se deveu a alguma fonte literária, eu escrevo o que está dentro de mim, dentro do meu imaginário. Nesta altura começo a frequentar a blogosfera e os sites  faço conhecimento com muita gente, mas destas pessoas três se destacaram e continuam no meu caminho como grandes amigos. A Ana Coelho, que é uma amiga e que me ajudou imenso na elaboração do meu livro, a Dolores Marques, a minha maior referência, digo sempre que é a minha mãe na escrita e o José Carlos Patrão, um amigo que me acompanha e está sempre disponível para me ajudar.
Estes  três amigos escrevem temas diferentes, gêneros diferentes,e é neles que me apoio e muitas vezes me inspiro. Inspiro-me também nas vivências diárias,nas emoções momentâneas, nas histórias que ouço etc....
Sou também uma adepta do poder que uma imagem pode desencadear emoções e estados de alma, escrevo muito neste sentido, no poder que a imagem tem de se transformar em palavras .

EntreGêneros: Até que ponto sente-se influenciada pelos grandes escritores seus conterrâneos, como, por exemplo, Fernando Pessoa, Vasco Graça Moura e Inês Pedrosa?

 SG: O que vou aqui dizer, vai parecer estranho,mas eu nunca fui uma grande leitora de poesia,sempre amei muito a poesia de Fernando pessoa,através do seu  heterônimo Álvaro de Campos, de Sophia de Mello Breyner, agora recentemente tenho uma grande paixão pela poesia de Antônio de Ramos Rosa, mas não me sinto influenciada por nenhum destes autores,eu escrevo o que me vai na alma,criei o meu próprio registro. Quando comecei a publicar na net, assisti a muitas discussões sobre o plágio entre os autores,talvez por isso tenha tendência a fugir aos esquemas tradicionais da poesia,escrevo o que sinto e como sinto,os temas são sempre iguais para todos,mas a forma e a colocação das palavras varia conforme os autores.
Agora leio muito os autores que vou conhecendo na blogosfera e há muitos que gosto, entre eles, Dolores Marques, Joaquim Pessoa,J osé Luis Outono, João Costa. Ana Coelho, etc... Leio mais poesia agora que antes de freqüentar  a blogosfera
  
EntreGêneros: Considera seus textos intimistas? O quanto mostra de si mesma no que escreve?

SG: Eu penso que sim, que o que escrevo é muito intimista, o que eu escrevo sou eu, um pouco da mulher de todos dias,da mulher que trabalha, da esposa,da mãe, mas é muito mais a mulher na sua caminhada interior, na sua busca do conhecimento de si mesma e do conhecimento do mundo, do sua viagem pelos caminhos da espiritualidade, da aventura do conhecimento do poder das palavras.é a procura do conhecimento mais profundo do Ser que existe dentro de mim e que não é visível a todos, é a aventura de Ser e de viver. É a busca do sentido da vida e da existência, a razão de viver e o caminho para a compreensão mesmo que inatingível da minha existência tanto como ser evolutivo.

EntreGêneros: Há momentos em que os escritores sentem um bloqueio para escrever e a folha ou tela em branco tornam-se assustadores. Você sente isso com freqüência? Como lida com esses momentos quando acontecem?

 SG: Eu não sou escritora, escrevo uma procura, um estado de alma,mas sim já me senti muitas vezes sem palavras para escrever alguma coisa,eu recorro muito a imagens,e as imagens tem esse poder de desbloquear  emoções,sentimentos,e através do campo visual consigo criar novas imagens,novos sentires.
 Eu gosto mais de escrever prosa,aliás eu costumo dizer que o que escrevo é prosa poética,porque não obedeço as regras da poesia,no sentido da forma,mas sinto-me melhor a escrever prosa ”poética”

 EntreGêneros: No poema que deu título ao livro Longos são os caminhos, você diz:  “A viagem é longa, o corpo cede muitas vezes, à passagem do tempo/ É a luz que nasce em mim a cada amanhecer, que me sustém e me guia.../ Tenho sede e fome de infinito”. Bela passagem! Fale-nos um pouco sobre esse sentir.

 SG: Esta frase é o resumo do que disse até aqui.a viagem da vida é longa,muitas vezes sentimo-nos cansados,exaustos,o corpo dorido,mas todos temos uma estrela  guia que nos ilumina,que nos leva a lugares desconhecidos dentro de nós,e é esta sede de infinito de nós próprios que nos conduz nesta procura incessante pelo mundo das palavras.Sempre gostei de testar os meus limites e os meus limites interiores são o infinito.Ir sempre mais além no conhecimento do mundo e no que me rodeia e sobretudo de mim mesma.

 EntreGêneros: Você participa em vários sites de poesia e literatura e criou um site ligado ao eterno feminino. O que teria a nos contar sobre essas atividades?

 SG: A participação nestes sites,é um motivo de partilha e de conhecimento do outros,é muito enriquecedor do ponto de vista humano.Conhecemos novas pessoas,novos autores.
O site ligado ao “eterno feminino” teve a ver com o livro que li,”o feminino reencontrado”,era interessante ver a procura no feminino através das palavras por cada um  dos participantes.Foi um grupo que tive e gostei muito.

 EntreGêneros: Conte-nos sobre a pessoa além da poeta: seus sonhos, seus projetos, sua vida.

 SG: Eu sou uma mulher normal, sou esposa,mãe, trabalho, esta é a mulher de todos os dias.
Depois gosto muito de ser solitária, dou muitas caminhadas sozinha, gosto de estar deitada no meu sofá completamente em silêncio.
Vivo um dia de cada vez, tenho projectos, mas não vivo ansiosa para os concretizar,o que tiver de acontecer ,acontecerá.
Estou a preparar um livro, que espero editar em 2012,vamos ver se consigo,mas como disse se tiver de ser será.
Sonhos? O meu maior sonho não se prende comigo, espero que os meus filhos sejam felizes e realizados neste mundo tão inconstante e incerto.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

NILSON BARCELLI - POESIAS






O parto






Vou procriando embriões de palavras,
que verto a tentar não perder o fio ao enredo,
mas tenho um parto atribulado.


Levanto o prematuro, limpo a placenta
e dou-lhe duas palmadas no rabo.
Provo-lhe a semente do grito primevo
enquanto devoro baforadas de vácuo prenhes de fumo.


Alfaiate e parteiro, dou uma tesourada de pai indeciso
no cordão umbilical
e lavo o filho de sangue em mil ideias com asas.


Coso a boca às feridas, refino pensos,
mas atrapalho-me com nuvens de pó de talco
e quase deixo escapar os versos convalescentes
pelo cano da incubadora.


Recomeço, uma e outra vez,
até que as dores da aparição se desenruguem
e Morfeu o não ache nado-morto
para estágio em colchão de sono breve.


De candeia em punho,
percorro esquinas e vielas do poema
até projectar o mapa do seu corpo na retina
para radiografar as ideias ulceradas a intimar cirurgia.


Do esboço inicial, a martelo e a cinzel,
passo à transpiração burilada
na paciente finura das formas.


Certas palavras, ao sentir o bisturi da coerência
a bordar a pele, espetam agulhas
nas pernas de outras palavras para que fujam à dor
e plasmam novas palavras com pinças e ligaduras
num corpo exausto de próteses.


Aceitável o filho, agora com malformações
quase só perceptíveis aos olhos do mestre,
penduro-o na parede e abandono-o.


É teu.




Nilson Barcelli © Outubro 2011






Amanhã






Amanhã,
quando o poema invadir os teus braços
e percorrer inteiro as veias do teu corpo,
será nas mãos que revelarás
a percepção do desejo
que há na luz do teu olhar.


Acordarás, então,
a perfeição dos teus seios
e a ternura inundará a tua pele,
moldando-te a voz
em timbres que julgavas esquecidos
nas palavras da memória submersa.


Haverá,
nesse tempo de rosas, bandos
de andorinhas perfumadas no teu rosto,
mas não será minha essa virtude,
já que me darei em silêncio
para não paralisar a beleza do teu voo.




Nilson Barcelli © Outubro 2011






A luxúria das palavras






Há em ti
palavras que fecundam os sentidos,
onde as cores
dos mares que te habitam
reproduzem braços quentes
que me concebem.


Há em ti
palavras que se abrem no regaço
e se afundam no meu sorriso
de pássaro cinzento,
colorindo as sementes
espalhadas pelos vales do teu corpo.


Há em ti
palavras que se despem
na loucura que os meus olhos restituem,
vestindo-te do vinho
que bebemos
na taça da luxúria das palavras.




Nilson Barcelli © Agosto 2011






Palavras mutiladas






Se o que eu digo fosse arte,
não seria de censura
o nó que me confina a liberdade.


Nem sentiria
a ardência do vinagre
nas feridas abertas da ausência.


A luz
[que me fere como um laser]
teima em cortar
a audácia dos meus dedos.


E saem de espinhos
encravados na garganta
as palavras mutiladas que sufoco
e que não ouves.


Nilson Barcelli © Agosto 2011






O equinócio da Primavera nos teus olhos






É frequente
dar comigo
entre o festim de chamas
no limite do teu corpo
e os vestígios plasmados
que ainda restam de ti
na pele da concórdia matinal.


Visto-me
de uma insónia tão curvilínea
como os teus seios
e de uma dormência tão perfeita
como a ternura das carícias
que os teus dedos
me fazem no cabelo.


Enquanto dormes,
fujo para dentro de mim
e consigo ver
o equinócio da primavera
nos teus olhos.




Nilson Barcelli © Maio 2011






O poema






O poema, quando é poema
[com o dissecar da vida e da morte,
e de outros variados pretextos]
recompõe a invenção da realidade
para anotar e apurar a claridade das coisas.


O poema, quando é poema,
na demora das madrugadas sombrias,
vê o amor, rutilante, a tecer hálitos de sol
nos ditames selvagens das palavras.


O poema, quando é poema,
é um desafio, gritante, à bem-aventurança
que há no sair do abismo
ou à liberdade que existe
na firmeza de deixar o que não vem.


O poema, quando é poema,
nunca é um tiro de chumbo disperso,
a contento, inútil e comezinho,
é uma arma de bala real, de senso letal,
para atingir e marcar o pensamento.




Nilson Barcelli © Fevereiro 2011








Entrevista - Nilson Barcelli


NILSON BARCELLI - ENTREVISTA Nº 13




EntreGêneros: Que águas o levaram ao fluir poético? Em que fontes mata sua sede e busca  inspiração?

NB: Comecei a tentar fazer poesia em 2005, depois de quase 2 anos de blog, porque me pareceu que gastaria menos tempo do que contar histórias ou fazer textos de opinião social e política como até então vinha a fazer. Nunca tinha feito antes, mas lia muitos poetas, principalmente o Fernando Pessoa nos seus diferentes heterónimos. As principais fontes de inspiração que tenho são o amor e a intervenção social ou política.

EntreGêneros: Relembrando o estudo da poética de Aristóteles, quanto aos termos mimesis e Katharsis, a poesia seria uma representação do mundo sensível, visando a catarse destas emoções, idéia que encontra ressonância em muitos poetas. Como esse fato se aplicaria a você?  O que é ser poeta para você e   que sua poesia tem de confessional?

NB: A minha poesia é mais racional do que emocional, muito embora possa não parecer assim ao leitor e ainda que, no essencial, eu escreva sobre emoções. Portanto, não tem em vista a catarse das minhas emoções. Resumindo, é quase só suor e pouquíssima inspiração, sendo cada poema construído na exploração das mil e uma possibilidades que a língua portuguesa tem.

EntreGêneros: Os medos, como do silêncio e do escuro, são universais. Através da escrita, o poeta interrompe o silêncio, faz ouvir a sua voz. Como você lida com o silêncio da folha (ou tela) em branco. Já sentiu algum tipo de bloqueio para escrever?

NB: Só sinto bloqueios antes de começar a escrever. Depois de iniciar um poema, as palavras e as ideias vão puxando outras palavras e outras ideias. É um processo que envolve muitas tentativas e retrocessos, podendo demorar várias horas, muitas vezes distribuídas por vários dias. Quando termino, sinto sempre a necessidade de mais alterações. Mas não continuo porque o céu é inatingível, ainda que devamos fazer todos os esforços para lá chegar...

EntreGêneros: No site do poeta Marcel Angel, você diz: "Também gosto das poesias de antanho...", referindo-se a forma poética denominada soneto.  O que você pensa de um dos elementos mais enfraquecidos pela literatura contemporânea e até que ponto sentiu-se influenciado por ele em sua própria criação poética?

NB: Não me sinto influenciado pela forma, pela rima ou pela métrica. Mas a "poesia de antanho" contém imagens poéticas brilhantes e, principalmente, uma estrutura lógica de princípio meio e fim que me fascinam e que talvez me influenciem. Para além disso é poesia filtrada pelo tempo, onde quase só os poemas muito bons ainda perduram.

EntreGêneros:  O poema intitulado Reclamação, postado em seu blog é precedido de uma referência à Fernando Pessoa. As últimas poesias postadas nos meses de Setembro e Outubro desse ano são enfáticas ao questionarem e criticarem a pessoa do "eu". Você vê uma aproximação de afinidades poéticas com Pessoa? Quem é Pessoa para você?

NB: Li quase toda a obra de Pessoa e, por isso, é natural que seja influenciado por ele, mesmo que inconscientemente.  Depois de ter escrito o Poema "Reclamação", de intervenção social, lembrei-me do poema "O Andaime" de Pessoa, que também o é, e coloquei 2 excertos desse poema de modo a criar “ambiente” para o meu poema.
A crítica que faço do “eu”, é essencialmente colectiva. A crise que atravessamos, financeira e económica, exigiria que as pessoas se organizassem em torno de objectivos comuns e os fizessem sentir ao poder político. Mas tal não está a acontecer, existindo uma passividade desconcertante. Neste aspecto os gregos estão praticamente sozinhos. Esta atitude do povo, que vai empobrecendo, a par da sobranceria do poder, é um filão e um dever para os poetas.

EntreGêneros: "É por ti que escrevo que não és musa nem deusa/ mas a mulher do meu horizonte /a imperfeição e na incoincidência do dia-a-dia ", António Ramos Rosa, in 'O Teu Rosto'. Sente-se influenciado por esse grande poeta, também conterrâneo seu, como Pessoa?

NB: Identifico os poemas de Pessoa mesmo sem terem a referência do autor. Mas isso não acontece com a poesia de António Ramos Rosa, a não ser os poemas que conheço bem. Portanto, é natural que não existam influências deste autor na minha poesia.

EntreGêneros: "O amor transforma o mundo noutra cor..." Belas palavras usadas por você ao comentar a respeito de um poema cuja temática era o amor num blog visitado. Você se diria um escritor romântico, tendo o amor como uma temática constante em seus poemas?

NB: Sou fascinado pelo sentimento amor, o qual possui um número infinito de cambiantes. Tendo sido cantado desde sempre pelos poetas, ele constitui, por isso, um tema inesgotável.
Acho que sou, na verdade, um poeta romântico. Até porque, enquanto escrevo, me sinto apaixonado pelo tema ou objecto do poema e, através disso, consigo ver o mundo doutra cor.

EntreGêneros: A figura feminina costuma ser exaltada em seus poemas, não só em seu aspecto físico, mas em seu interior, o que nos mostra sua admiração e amor pela alma feminina.  Nesse contexto, como você vê a poesia feminina? Acha que difere muito da poesia masculina?

NB: Em geral, gosto mais da poesia feita por mulheres. Isso deve ter a ver com a maior sensibilidade que elas conseguem colocar nas palavras. E talvez seja por isso que as mulheres gostam mais que os homens da minha poesia. Porque os olhos e a alma das mulheres são capazes de ver a poesia com maior amplitude que os homens.

EntreGêneros: Qual é a origem e o significado da palavra nimbypolis? O que o levou a escolher esse nome para o seu blog?

NB: O nome do blog surgiu pelo conteúdo com que o iniciei, que era a de crítica social e política. É formado por duas palavras: nimby + polis. Not in my back yard, é uma expressão idiomática americana relacionada com o ambiente, que diz que os poluentes não devem ser despejados perto de mim, ou seja, tem implícita a ideia do poluidor/pagador ou a de que quem polui é que deve resolver o problema. Com o Polis, a ideia é que esses princípios se devem aplicar à sociedade em geral e ao poder político em particular, nomeadamente nos aspectos da corrupção, má governação, etc.

EntreGêneros: Fale-nos um pouco da pessoa além do poeta, seus sonhos, seus projetos, sua vida.

NB: Comecei o meu blog para melhorar a minha capacidade na escrita, porque, sendo engenheiro, o meu currículo escolar na língua portuguesa é muito pobre. Para além disso, a minha narrativa característica vinha a ser “afunilada” pelos inúmeros relatórios que fazia, onde a capacidade de síntese é a palavra de ordem (de contrário, ninguém lê…). Foi por isso que nos 2 primeiros anos de blog fazia verdadeiras redacções…
Foi a falta de tempo que me levou a ser poeta… Pensava eu que gastaria menos tempo para fazer uns versos… Com o tempo vi que não era assim, porque para fazer poesia com alguma qualidade é preciso algum tempo, dado que eu não sei fazer poesia espontânea.
O passo seguinte seria publicar em livro. Mas isso não está no meu horizonte a curto prazo. Primeiro quero fechar o blog atual e recomeçar um outro com o meu nome próprio, para avaliar até que ponto a ausência da protecção do pseudônimo me inibe. Depois disso, se tudo correr bem, talvez publique. Este processo de maturação deverá demorar uns 5 anos.