sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

WES ROCHA - POEMAS







SONETO DA DESPEDIDA


Se ao invés do amor, só amargura eu mereça
Quando eminente é o findar de todo encanto
Não mais te amar, nem espalhar meu canto
Melhor que a morte em meu peito adormeça


Mesmo que triste meu coração obedeça
Ordenar absorto de não sentir meu espanto
De não te ver sorrir nem colher teu pranto
Acordar-te aos beijos tão cedo amanheça


Tão súbito o fim desse amor, pareça
Ao saber que se foi assim de repente, contanto,
O alento de te ver sorrir na eternidade permaneça


Se o reluzir dos teus olhos nos meus, for apenas lembrança
E se vá ao bater a porta e nem dizer adeus, no entanto,
Perdoe meu apelo, se por um momento, minha saudade te alcança.




ERA AMOR


Era tanto amor,
Que descompensado parecia
Ao ver teus olhos rezulentes
Ir de encontro aos meus somente
Sentir sua boca que à minha pertencia


Era tanto amor,
Que de tão perfeito eu duvidaria
Sentir teu corpo ao meu tão rente
Ser tu só minha simplesmente
Ao mergulhar em teu olhar me perderia


Foi tão puro e transparente
E por tanto tempo assim seria
Se de tão forte e inconsequente
Não se entregasse à nossa frente
Ao ciúme ao qual se renderia


Foi tão belo e raro amor
Sonho um dia por nós vivido
Ainda que não fora eterno, foi sentido
Esquecer-te jamais eu poderia.




ENTRE GESTOS


Ao fitar em teus traços cada gesto
Num breve contemplar me sustento
Desvendar-te, ordem que me presto
Desbravar cada pedaço de ti ostento


Ao parecer dominar cada parte tua
Mesmo que se faça assim tão displicente
Sei que no fundo existe um desejo ardente
De mostrar-te a mim ousadamente nua


E ao te sentir ofegar entre tantos ruídos
Ensaio o deleite que teu corpo espera
Revelar teu desejo por mim extraído


Por entre os gestos deste doce castigo
Disfarço a volúpia que o desejo venera
Ser só teu ao ceder a este amor proibido.




INQUIETANTE DESPERTAR


Frente ao despertar inquietante
Percorro o frio sombrio rompante
onde minh'alma singela, cintilante
Sê no silêncio a dádiva
deste pequeno instante
ainda que intrínseca, rara,
beleza sublime constante
ao cair da lágrima,
és tu o despertar, olhar pulsante
Onde então, sutil véu se rompe
Ainda confuso, vazio semblante
Perdido no astral devaneante
Ora, me desfaço do ego
Ora, Sou ego errante
és tu, chamada
noite negra da alma
Expiação desse ser vacante.




DOCE INCÓGNITA


Feito céu de vazio e imensidão…
Contraste volúvel que em meu pensar permeia
No entreter esguio de tudo que te rodeia


Mesmo que o almejar saber-te
Me leve para ainda mais longe
Dos segredos que em ti esconde


Encontrar-te é tal mistério feito sina
Desvelar suave de uma força pujante
Resumir-me pensar em ti a cada instante
Torturar-me ao saber que estás distante


Vês que, afinal és tu meu céu insólito
Extasiado em meu âmago inóspito
Indaga-me num dulçor utópico: Decifra-me ou devoro-te?
Sem pestanejar responderia, no anseio de revelar teu ato,
Se ao devorar-me, revelar-te-ia desejo oculto de amar-me.




AMOR POR SI SÓ


Ao Ver em teus olhos sinceros
O reflexo de um ser que clama
Amar-te ainda mais espero
Como o sol que flameja em chama
Guardado em teu seio ardente, pondera a ti,
Quem não ama?
Desperta-me olhar inerte
De amor cheio meu peito inflama
Pois o amor é por si só, refúgio escondido
O amargo-doce em teu pranto colhido
Que se encontra em tempo incerto
Viver, e não sentir que te amo
É morrer no mais frio deserto.




Narrativa da Morte da Alma


Foi então,
Que do silêncio fez-se o grito
Das horas, um só momento
Do vazio, fez-se o rito
E o refletir, descontentamento…




Foi então,
Que o amor tornou-se atrito
Da saudade em mim vivente,
Lamentar do que nos foi sofrido,
Desejo que se fez ausente…




Foi então e somente então,
Que do sorriso fez-se o pranto
Da alegria fez-se o espanto
Por ti amor, não me ter crido
Que meu coração, era teu somente…




Foi tão claro e de repente
Que o olhar se fez distante
E o sentir se fez errante
Quando o adeus se fez presente.




SONETO DO AMOR INCONSEQUENTE


De toda desventura por mim vivida
Ao sentir-me ponderar tão descontente
Entre desistir ou viver intensamente
Me entregar a uma paixão tão descabida


Se já me basta querer amar-te em vida
Tão cedo a morte chegue a mim somente
Mergulhar na solidão em mim vivente
Desvario no padecer de minh’alma sofrida


Ainda que desenfreado seja o amor contido
Tão perdido luminar de uma estrela cadente
Feito chama que num brilhar não me tem crido


Faz meu peito arder em fogo incandescente
Ao ver que o sopro do viver não percebido
Era afinal por ti amor sentido inconsequente.




WES ROCHA- Biografia
                        
Entrevista

WES ROCHA - BIOGRAFIA





Wesley Da Silva Rocha, ou Wes Rocha como é conhecido, é mineiro nascido em Juiz de Fora/MG, tem 28 anos, Filho de Rita de Cássia da Silva Rocha e Carlos Alberto Rocha.

Guitarrista e Violonista, iniciou-se na música ainda muito jovem e foi justamente na música que descobriu sua veia poética, quando durante um ensaio, compôs seu primeiro poema chamado "Lúdico Canto" em outubro de 2010, que debutou no site "Recanto das letras" onde teve vários comentários elogiosos. Desde então, tem sido convidado por amigos a participar de vários sites especializados em poesia, sendo possível encontrar seus poemas nos sites mais renomados da atualidade, tais como, http://portalliteral.terra.com.br/perfis/wes-rochawww.luso-poemas.net.

Wes, também tem seu trabalho divulgado em sua página no facebook http://www.facebook.com/Wes.Rocha93, onde participa de vários grupos ligados a poesia e arte, são estes: Lirismo à flor da pele, Confraria de Poetas, Vidráguas, Solar de Poetas, dentre outros.

Recentemente, teve alguns de seus poemas divulgados na REVISTA BIOGRAFIA (http://sociedadedospoetasamigos.blogspot.com/2012/01/wes-rocha-poeta-e-musico-brasileiro.html ).


Wes, teve também a honra de ter alguns de seus poemas publicados em 4 (quatro) antologias pela Camara Brasileira de Jovens Escritores, na 1º Antologia da Confraria de Poetas, e também na Antologia ELDORADO XXII do CELEIRO DE ESCRITORES. Seu blog, ainda em fase de construção, em breve concentrará todos seus trabalhos poéticos.  


Links:





MSN:           Wesrocha.insp@hotmail.com

         


WES ROCHA - Poemas
WES ROCHA - Entrevista

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

CRISTINA DESOUZA - POESIAS




A ESMO




falta coragem
falta tempo

falta o vento
falta tudo
e nada

nesta estrada
eu sigo nu
meu sentimento
à flor da pele
cru

palavras vêm
palavras vãs
ou não
sem direção
vou a esmo

e tudo
é sempre
o mesmo:
a casa
a vida
a couraça
que visto
com medo

sobram o dia
a luz
os teus olhos azuis
e esta vontade
de ser
inteiro

__________


DANÇA DA LUA  



durmo liberto

ao céu de outono
desperto
sonhando com
a palidez da lua
crua
branca
suave bruma
sua sombra tece
uma rede mansa
que meu corpo
embebe
e comigo dança
com as pernas
nuas
__________


AMARELO RAY-BAN



as horas do dia

passam por mim

bailando
dançam amarelo
e negam
o que quero
deste sol
ray-ban




FUGA




a fuga passa por mim
à minha espera
cansada me rendo
ouço a música
o vento
e de súbito
só resta
a terra

__________


LÁGRIMA ALADA





choro uma lágrima
alada
lâmina de espada
que brilha
e corta
a carne gelada
de medo
corre ligeira
pela face
suada
beija o lábio
e desliza
até o queixo
de onde se joga
despudorada
para dentro
dos meus seios
perdendo-se
no vão do nada

__________



DANÇA



simples
palavra não dita
esconde-se num poema
numa dança
que mansa
pinta um quadro
sem tinta


__________


floco de neve
silencioso e só
paira no branco

a noite sem fim
engole vastos sonhos
estrelas dormem

__________



O OVO E A CANETA



Fito a caneta. Tão intenso é o meu olhar, que segundos se passam em minutos, para em horas se transformar. Catatonia de mãos rígidas, tensas pela vontade de agarrar algo que não sei. Ou sei? A caneta. Mãos em punhos fechados e duros, que fazem doer meu corpo, numa armadura impassível. Tremo, fingindo não tremer, tento controlar esta necessidade imensa de me mexer.
Minha cabeça roda. Gira por entre livros, folhas e folhas, entre as malhas da máquina de escrever. E esta vontade de agarrar a caneta e tudo mais esquecer. Vontade de escrever linhas sem fim. Perder-me em tanto prazer. Mas minha cabeça tirana finge não saber. Ignora este querer, torturando-me, fazendo-me contorcer.
Tenho que acabar estas laudas. Preciso ler mais este capítulo. Amanhã tenho que levantar cedo e correr. É preciso fazer esta barriga encolher. Não dá para ceder...
A caneta me obeserva, expectadora atenta de minha agonia. Estou inquieta. Minhas mãos úmidas, que agora quebram a imobilidade, estão hiperativas. Mas movimentos sem intento, quase que congelados na falta de objetivo. Mãos que tocam o teclado, mexem nos livros, tudo a esmo, em vão. Não consigo me ater. Não consigo deter-me ns coisas a serem concluídas
Levanto-me e ando em círculos. Tento me lembrar do que era mesmo que tinha que fazer. E este suor nervoso não consegue disfarçar este meu maldito modo de ser. Tenho que me concentrar. Não posso me dispersar.
Sento-me novamente e o plástico molhado e sudorento da cadeira faz-me sentir estranha, como se estivesse sentada numa poça de urina. Nem isto dissolve a tensão que me rói. Preciso terminar. Mas terminar o quê mesmo? Sinto-me sufocada por este calor frio de terror e ansiedade que não consegue se saber. Uma onda de náusea faz minha cabeça martelar. Levanto-me novamente e vou ao banheiro. Penso que vou vomitar. Apóio-me no portal. Respiro fundo. Dobro o meu corpo por sobre mim mesma e viro um bebê insolente perdido. Recordo-me de uma canção de ninar que minha cantava para mim.
Se eu pudesse, arrancava minha cabeça do pescoço e a embalava até não mais acordar. A náusea passa e vem a sede. Retiro uma garrafa d'água da geladeira e bebo pelo gargalo. Afogo-me com fúria de náufrago. Engulo-me com a garganta de um tubarão. Molho minha testa suada com a água gelada, numa tentativa de despertar, mas não consigo.
Volto à máquina de escrever e me sento à mesa. Encaro a caneta de frente, hipnotizada. Perco-me com ela em devaneios, sem tocá-la. Mas a cabeça novamente martela o meu dever.
Percebo então meu peito inchar e doer. Incha tanto e tão rapidamente, que tenho que desabotoar a camisa. Já não consigo caber mais nela. Abro-a e assusto-me com o que vejo. Bem no centro do meu peito, entre os dois seios, existe um ovo a crescer. Cresce tanto, que parece que vai nascer. Apavorada, desvio o meu olhar, que volta a se encontrar com a caneta. Esta agora parce ter um rosto e julgo até poder lhe distingüir um olho!
Sinto-me doente, febril. Penso estar delirando. Com as mãos trêmulas e molhadas de suor, lentamente palpo o ovo no meu peito. Ele pulsa com ritmo. Está vivo. Não posso acreditar que eu vá dar a luz a um ovo. Ou seria meu coração?
Torno a fitar a caneta e agora, além do olho, vejo uma boca, de lábios carnudos e pequenos, a me sorrir. Sua face me convida a tocá-la e eu já não mais posso ignorar este convite.
Num desvario final, tento evitar este encontro. Ligo o rádio, assobio uma música, procuro uma saída para fugir de vez. Mas não consigo. Simplesmente não posso me mover. É inúti resistir. Como resistir? Tantas palavras a jorrar, tantas frases a me sacudir, que se descarregam num estímulo nervoso que faz meu braço se mexer e minha mão se abrir. Não posso mais fingir não ver. Olho para o teto, como que a procurar por Deus. Mas só vejo a luz azul brilhante da lâmpada fluorescente. Um calor viaja em onda pelo meu corpo e meus dedos se aproximam da caneta. Num gesto súbito, eles se esticam e agarram-na. Quase um incesto. Seguro-a com força, para não a deixar escapar. Num jorro de poço artesiano, brotam letras, palavras, frases, parágrafos inteiros. Rimas escapolem pelas pontas de meus dedos e eu escrevo sem ver.
Termino meu parto de palavras, largo a caneta e passo a mão pelo meu peito. Dele retiro o ovo. Meu ovo. Simétrico, todo branco, que eu deposito sobre a mesa, sobre o papel escrito. Sinto-me cansada, exausta e estico-me na cadeira. Tamanha lascívia se apodera de mim, que termino por desfalecer. Perco-me num sono profundo, de quem já não mais tem o que temer. O ovo e a caneta me observam tranqüilamente. Poema, prosa, verso ou fantasia, já não importa. O silIencio das palavras escritas e plenas, paridas num esforço de guerreira, transmutam-se na expressão do meu ser. Poesia ou não, o ovo e a caneta, casamento perfeito, vão por ali ficando, como que a me sorrir.

__________



INSÔNIA




Numa noite insone, pensamentos vão e vêm. E eu acordada olhando o céu dark anil do teto. Busco estrelas que brilhem sem fim. Estico o ouvido para ouvir a música que não há. Cismo em procurar num céu de argamassa o que não encontro no chão de concreto. Os minutos, as horas passam implacáveis, que nem o vinho branco ousa tocar.

Meus gatos saracoteiam lá e cá. Sentam-se no parapeito da janela e sonham com o mundo do lado de fora E eu lembro o quintal do meu avô e meu mundo lá vivido. Os olhos dos outros não eram então a divisa entre a realidade e a minha imaginação.
Poesia eu procuro no piano e no andar dos gatos. Na noite, sobram eles, as canções não tocadas e eu insone.
Sou azul. Azul denso de mar à distância, que só termina no horizonte. Começo então em terras outras. Azul que não se mistura com os amarelos, vermelhos e laranjas de onde existo. Nao há arco-íris para tantas cores, mas insistentes pingos de chuva cismam em integrá-las num prisma óptico inverso. Agora, as rochas marrons de Phoenix também são engolidas pelo meu azul e viram deserto submerso sob o meu mar.
Faz frio lá fora e quase neva em Phoenix, este pássaro eu que nasceu das cinzas. As roseiras cobertas pelo gelo da noite, deixam entrever brotos ainda tenros. Sobrevivendo, tornar-se-ão rosas lindas.
As horas continuam passando e não tenho talento para transformá-las. Mas tenho paciência para aceitá-las. E sigo elocubrando, tarde da noite, já bem madrugada. Eu, meus gatos, meus livros e meu piano. Todos a divagar na imensidão do nada. Quase amanhece. Dia de novo para quem sempre nunca esteve acordada...


_________




O SILÊNCIO PASSA POR MIM



O silêncio passa por mim. Roça a minha pele. Eriça meus pelos, enquanto me escondo no leito estreito Toco de leve, com meus dedos cálidos, seu sopro gélido. Ele me ronda na quietude inaudível do nada.

Perco a voz e pego a dor com as minhas mãos sós.

Um raio de sol penetra meu abraço. Adentra-me.

Amanhece na parede, enquanto meus olhos seguem presos numa rede. De sonhos opacos.

Fantasma solitário. Silêncio pálido. Despede-se em sonho manso, deixando-me sozinha, no vácuo.


_________


 xxxxx- SOTERRAMENTO




soterro a voz

aterro meu corpo
a um espírito
mudo


em tudo que escuto

só há silêncio

marcado
na ausência
na vaga

no luto
profundo
pelo morto
não morto

pela onda
não quebrada

por esta maré
vazante

onde me afogo
na terra
na areia
no nada


xxxxxx –


Haicai

sou satélite
dos girassóis ao vento
reluzo ouro

________
Haicai

pinto pétalas
aquarela e guache
mãos sujas de flor

________
Haicai


noite escura
pirilampos arteiros
pintam o sete

________




Haicai



saudades de mim

numa noite nublada
estrelas sem céu




*

CRISTINA DESOUZA - ENTREVISTA Nº 16




EntreGêneros: Que fatos importantes de sua vida levaram-na ao processo da escrita?


CS: Olha, eu não sei se tem um fator “precipitante” (rs). Me parece que nasceu e cresceu comigo. Aprendi a ler e a escrever muito cedo e ficava lendo e criando histórias que mais tarde passava para o papel. Então, se tivesse que te dar dois fatos que me levaram a escrever, estes seriam, meu nascimento (rs) e meu precoce aprendizado da leitura. Lembro-me de que, quando ainda acreditava em Papai Noel, eu escrevia cartas com destino “céu” todos os anos. Num destes anos, eu deveria estar com cinco ou seis anos de idade, meu pai enviou a carta a um jornal e eu acabei sendo entrevistada, recebendo prêmios e etc. Só para te ilustrar o quão intrínsecas me estão a leitura e a escrita.


EntreGêneros:  Quando começou a escrever? Em que fontes literárias e/ou artísticas buscou sua inspiração?


CS: Acho que já respondi parte desta pergunta acima. Tudo para mim servia (e serve) de motivo para escrever. E é interessante, porque eu também toco instrumentos musicais e houve uma fase minha em que pintava muito. Estas três formas de expressão- verbal, musical e plástica – se misturavam e ainda se misturam no que escrevo. Tinha meus autores preferidos, meus artistas plásticos favoritos e a música o tempo inteiro a reboque.  Estas três artes foram importantíssimas no meu processo literário, se é que eu posso chamar assim. Há coisas que vi, ouvi ou li há muitos anos que ainda transpassam no que eu escrevo e eu mesmo me assusto, quando vejo que a fonte do que escrevi advém de algo tão antigo, quanto o meu envolvimento com as artes plásticas e a música.


EntreGêneros: O que a levou a sair de seu país de origem (Brasil) e ir viver num país estrangeiro (Estados Unidos)?


CS: Eu saí do Brasil para fazer outra residência médica nos EUA.  Já havia feito residência médica e especialização no Brasil, quando veio o pensamento e a oportunidade de fazer de novo isto aqui, nos Estados Unidos. E foi muito bom. Tive a chance de observar como a mesma coisa é vista, encarada, lidada de formas tão distintas. Minha bagagem brasileira me ajudou muito a ver e tornar diferente a maneira de me relacionar com a Medicina aqui.  Isto me auxilia até hoje. A gente é muito mais amistosa e tem muito menos temor de lidar com o paciente num nível mais emocional. É interessante como nós tocamos muito mais os pacientes com as nossas mãos do que os anglo-saxões. Isto foi complicado no início, por causa de toda esta coisa de ‘invasão de privacidade’ que é muito vigente aqui, especialmente, considerando-se o quão litigioso são os EUA.
Quando terminei minha residência médica aqui, fui convidada a ficar para trabalhar como médica e professora de Medicina da Universidade do Arizona. Então fui ficando, ficando e fiquei (rs).


EntreGêneros:  Conte-nos um pouco como foi seu processo de adaptação à esse país? 


CS: Foi difícil me adaptar. A minha sorte foi que eu estava tão envolvida com o trabalho, que esta adaptação teve que ocorrer e ocorrer rapidamente, caso contrário, não aguentaria. A sociedade aqui é muito prática, “business-oriented,” menos dada ao lúdico. Falo isto sem tentar estereotipar, é só como realmente vejo isto aqui. Como sempre, há coisas muito legais, por exemplo, todo o apoio às Sociedades de Proteção Animal (isto me veio à cabeça agora, porque sou vegetariana e profundamente engajada nesta luta), a possibilidade de você reclamar de algo errado e poder ver efetivamente alguma coisa ser feita a respeito. Há coisas não tão legais como a discriminação, o “racial profiling” (aqui no Arizona, onde moro, existe uma “perseguição racial” contra latinos, todo mundo é supostamente ilegal, até provar o contrário), o extremo ufanismo que não permite que vejam coisas obviamente ruins na sociedade americana. Então, a adaptação foi complicada, mas o trabalho ajudou muito. Sinceramente, não sei se me adaptaria se não tivesse sido assim.
Eu tentei voltar ao Brasil depois de dez anos de América. Passei dois anos no Rio, mas não consegui me adaptar mais profissionalmente aí. Infelizmente.  Foi um baque chegar a tal conclusão, mas também foi inevitável ter que aceitar isto. Daí retornei.


EntreGêneros: O fato de morar em outro país exerce alguma influência em seus textos? Você pretende editar um livro direcionado ao leitor americano?


CS: Sem dúvida. Especialmente meus textos em prosa poética, tal como TÉDIO, INSÔNIA e outros mais mostram muito esta influência. Toda esta dificuldade de identificação emocional com o que está a volta, encontra-se muito presente. E para complicar a coisa, eu moro num deserto, com cacto e etc, então muitas vezes a barra emocional foi (e é) imensa.
Sim, se não estiver sonhando alto demais. Eu venho reescrevendo muita poesia, prosa poética em inglês. Tenho alguns contos que foram inicialmente escritos em inglês e que depois transpus para o português. Mas é isto, reescrever, não necessariamente traduzir.  Talvez, quando esta idéia estiver mais amadurecida, possa juntar tudo num livro em inglês e sair enviando para diversas editoras para ver se alguém se interessa. Mas não tenho ilusões a respeito. Sei que é difícil, mas não pretendo tomar pessoalmente.


EntreGêneros: Como você vê a sua poesia em relação à sua profissão de médica?



CS: A poesia me salva todos os dias. É minha médica, me trata, me acolhe.  A poesia é a minha medicina, para que eu possa levar um pouco de poesia a minha arte médica.  Já não sei bem como faria Medicina se a poesia não estivesse em minha vida. Acho que não resistiria, que ficaria doente, também.  Infelizmente, a arte médica, que era mesmo uma arte, está sendo dilapidada mais em mais, deixando de ser arte, para se tornar mais instrumento de poder, vaidade e interesses que não são os do paciente, mas o da sociedade capitalista como um todo. Especialmente aqui, nos EUA. Então, ter a poesia na minha vida ainda me  faz apreciar uma história médica bem colhida, um bom exame físico (o que aqui é raro de se ver) feito e hipóteses diagnósticas a serem aventadas, antes de se sair pedindo todos os testes ancilares da face da Terra (o que também é muito comum aqui, até pelo caráter defensivo e litigioso da sociedade americana). Por outro lado, a Medicina colore muitos dos meus versos. Então Poesia e Medicina estão misturadas, fundidas na minha vida. Uma, é a profissão que tenho, a outra o que me torna emocionalmente capaz de praticar esta profissão.


EntreGêneros: Você se sente influenciada pelas artes em geral na composição de seus textos?


CS: Sim e muito, vide a minha primeira resposta. Não é incomum que eu esteja ouvindo ou tocando alguma coisa e, de repente, venha a idéia, a base para um texto. Da mesma forma que às vezes, estou escrevendo, uma canção me vem à cabeça e lá vou eu para o piano.
Acho impossível olhar, apreciar uma obra de arte sem que a poesia me venha à cabeça. Já escrevi vários poemas para obras de arte, especialmente pintura. Não sei como acontece, porque acontece, mas me vejo assim pintando letras com as cores do artista. Acho que também esta mistura de artes ocorre, porque há mistura de sentidos. Sou muito sinestésica e acho que é inevitável  a presença da referência às outras artes naquilo que escrevo.


EntreGêneros: Você sente alguma diferença em seus textos em prosa (contos) e seus poemas? 


CS: Sim. Há toda uma diferença. Tem textos que eu escrevo que sei serem poemas, mas que não cabem na estrutura de verso tradicional, daí saem sob a forma de prosa poética. Estou juntando um destes textos a esta entrevista para ilustrar melhor, chama-se O SILÊNCIO PASSA POR MIM.
Há épocas em que, não sei a razão, só consigo escrever poemas e prosa poética. Outras épocas, quando só consigo escrever prosa – contos e crônicas. Estes ciclos se repetem desde que me entendo por gente. Observo que algumas coisas são capazes de desencadear um gênero ou outro, mas o motivo pelo qual ocorre em ciclos, não sei explicar.


EntreGêneros: Em qual estilo se sente mais à vontade e qual lhe é mais prazeiroso?


CS: Todos os gêneros são igualmente prazeirosos. Se estou na fase de escrever poemas, escrevê-los me traz imenso prazer. O mesmo, se estou na fase de prosa. Fica difícil é quando eu não respeito estes meus tempos, estas minhas fases e forço uma coisa na outra. Não sai legal, não me sinto bem e o resultado é geralmente o lixo.  Aliás, eu escrevo muito, mas muito mesmo. Mas noventa por cento do que escrevo eu jogo fora. Cinco por cento eu guardo e cinco por cento eu mostro.


EntreGêneros: Considera seus textos intimistas? O quanto mostra de si mesma no que escreve?


CS: Olha, eu tenho muitos textos intimistas, destes começados na primeira pessoa. Mas acho que são intimistas, mas não confessionais.  Eles mostram pedacinhos do que eu sou, minha ótica emocional, mas não necessariamente, totalmente, a minha pessoa. Eu vejo muito isto nos meus textos em prosa, onde vários são escritos na primeira pessoa. Mas esta primeira pessoa é uma personagem de mim mesma. Algo em mim que hipertrofio e transformo em personagem. Ou não. Há textos também narrados em primeira pessoa e esta primeira pessoa tem pouco a ver comigo, nasceu da observação de outrem. Nem por isto acho estes textos menos verdadeiros. Até porque há tantas pessoas fascinantes no mundo a nos inspirar…
Tenho também muitos poemas e haicais absolutamente não intimistas e dos quais eu gosto muito. Há muitos poetas que não gostam da coisa mais intimista. Se é que posso me considerar poeta, eu acho que a beleza, a imagética e a plasticidade verbal vão além de o texto estar ou não na primeira pessoa.


EntreGêneros: Através do processo da escrita, o escritor interrompe o silêncio, representado pelo branco da folha de papel (ou da tela do computador). Esse silêncio lhe causa incômodo? Alguma vez já sentiu um bloqueio na hora de escrever? Como lida com esses momentos quando acontecem?


CS: Não. Este silêncio para mim é fundamental, é hora de recarregar, de contemplar e refletir. Acho que todo mundo tem estes “bloqueios…” Ou não? Não sei. Eu sei que eu os tenho. Mesmo escrevendo muito, há dias em que a coisa não sai. E não adianta forçar, pelo menos para mim. Tenho mesmo é que contemplar. Até que em meio à contemplação, sou “caçada” por uma palavra e desta caça volta novamente a produção. Da mesma forma que para mim a contemplação é importante, é necessário que esteja realmente imersa nela para ser capaz de ser “caçada” por uma palavra. Quando uma palavra me caça, eu saio da contemplação e as coisas voltam a fluir. Acho que é mesmo isto de se estar em sintonia com si próprio, capaz de intuir o momento de parar e o momento de recomeçar. Quando se consegue isto, tudo acha seu tempo.


EntreGêneros: Você tem um livro de poemas editado pela Editora Vidráguas, “UNS POUCOS VERSOS”. Você sentiu dificuldades para editar seu livro?


CS: Sim. As editoras maiores não estão olhando para novos autores. Demoram meses e meses para te darem uma resposta e na maioria das vezes esta resposta nem vem. Envia-se material para ‘n’ lugares diferentes e a dificuldade é a mesma. É aí que entra o papel das redes sociais, dos blogs, das revistas literárias online. A tecnologia é uma coisa muito bacana, porque está propiciando a abertura de um novo caminho (ia dizer mercado, mas não é bem mercado), de uma nova vereda por onde a literatura pode fluir, achar uma foz. Isto é muito legal. Especialmente para autores que estão começando ou que estão na batalha já há algum tempo sem muito retorno no caminho convencional. Acho que esta possibilidade tecnológica abriu um mundo novo não só para a literatura, mas para as artes de uma forma geral.
Eu creio que vamos estar vendo muitos e-books num futuro próximo e que uma boa leva de escritores que está iniciando irá se lançar desta forma. O “UNS POUCOS VERSOS” também terá uma versão e-book, em breve.


EntreGêneros: Fale-nos um pouco sobre a pessoa além da poeta: seus sonhos, seus projetos, sua profissão, sua vida.


CS: Esta talvez seja a pergunta mais difícil de todas. Difícil de responder sem cair no estereótipo. Acho que eu quero o que a maioria quer: poder viajar, ter um pouco de dinheiro para não depender, conhecer novas pessoas etc, etc. Mas creio que o que realmente estou atrás é de mim mesma. Esta pessoa que me revela tantas faces diferentes diariamente. Estou atrás de me ter, o mais inteiramente possível, o mais profundamente possível. Como todas as minhas dicotomias e contradições, todos os meus desejos e perdões. E aí, quando estiver mais perto disto, expressar-me como um todo, através de qualquer arte. Seja a arte tradicionalmente chamada arte, mas também a arte de ser inteiro no que fizer, na minha vida, na medicina, no mundo. Porque, quando nós conseguimos nos ter e nos expressar por inteiro, estamos fazendo arte. Seja ela qual for, mesmo que não seja arte no conceito da palavra.

Lançamento do livro de Cristina DeSouza "Uns Poucos Versos"

Beto Palaio, Cristina DeSouza, Ianê Mello e Elsa Marinha Cunha

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CRISTINA DESOUZA - Poesias