quarta-feira, 23 de novembro de 2011

NILSON BARCELLI - POESIAS






O parto






Vou procriando embriões de palavras,
que verto a tentar não perder o fio ao enredo,
mas tenho um parto atribulado.


Levanto o prematuro, limpo a placenta
e dou-lhe duas palmadas no rabo.
Provo-lhe a semente do grito primevo
enquanto devoro baforadas de vácuo prenhes de fumo.


Alfaiate e parteiro, dou uma tesourada de pai indeciso
no cordão umbilical
e lavo o filho de sangue em mil ideias com asas.


Coso a boca às feridas, refino pensos,
mas atrapalho-me com nuvens de pó de talco
e quase deixo escapar os versos convalescentes
pelo cano da incubadora.


Recomeço, uma e outra vez,
até que as dores da aparição se desenruguem
e Morfeu o não ache nado-morto
para estágio em colchão de sono breve.


De candeia em punho,
percorro esquinas e vielas do poema
até projectar o mapa do seu corpo na retina
para radiografar as ideias ulceradas a intimar cirurgia.


Do esboço inicial, a martelo e a cinzel,
passo à transpiração burilada
na paciente finura das formas.


Certas palavras, ao sentir o bisturi da coerência
a bordar a pele, espetam agulhas
nas pernas de outras palavras para que fujam à dor
e plasmam novas palavras com pinças e ligaduras
num corpo exausto de próteses.


Aceitável o filho, agora com malformações
quase só perceptíveis aos olhos do mestre,
penduro-o na parede e abandono-o.


É teu.




Nilson Barcelli © Outubro 2011






Amanhã






Amanhã,
quando o poema invadir os teus braços
e percorrer inteiro as veias do teu corpo,
será nas mãos que revelarás
a percepção do desejo
que há na luz do teu olhar.


Acordarás, então,
a perfeição dos teus seios
e a ternura inundará a tua pele,
moldando-te a voz
em timbres que julgavas esquecidos
nas palavras da memória submersa.


Haverá,
nesse tempo de rosas, bandos
de andorinhas perfumadas no teu rosto,
mas não será minha essa virtude,
já que me darei em silêncio
para não paralisar a beleza do teu voo.




Nilson Barcelli © Outubro 2011






A luxúria das palavras






Há em ti
palavras que fecundam os sentidos,
onde as cores
dos mares que te habitam
reproduzem braços quentes
que me concebem.


Há em ti
palavras que se abrem no regaço
e se afundam no meu sorriso
de pássaro cinzento,
colorindo as sementes
espalhadas pelos vales do teu corpo.


Há em ti
palavras que se despem
na loucura que os meus olhos restituem,
vestindo-te do vinho
que bebemos
na taça da luxúria das palavras.




Nilson Barcelli © Agosto 2011






Palavras mutiladas






Se o que eu digo fosse arte,
não seria de censura
o nó que me confina a liberdade.


Nem sentiria
a ardência do vinagre
nas feridas abertas da ausência.


A luz
[que me fere como um laser]
teima em cortar
a audácia dos meus dedos.


E saem de espinhos
encravados na garganta
as palavras mutiladas que sufoco
e que não ouves.


Nilson Barcelli © Agosto 2011






O equinócio da Primavera nos teus olhos






É frequente
dar comigo
entre o festim de chamas
no limite do teu corpo
e os vestígios plasmados
que ainda restam de ti
na pele da concórdia matinal.


Visto-me
de uma insónia tão curvilínea
como os teus seios
e de uma dormência tão perfeita
como a ternura das carícias
que os teus dedos
me fazem no cabelo.


Enquanto dormes,
fujo para dentro de mim
e consigo ver
o equinócio da primavera
nos teus olhos.




Nilson Barcelli © Maio 2011






O poema






O poema, quando é poema
[com o dissecar da vida e da morte,
e de outros variados pretextos]
recompõe a invenção da realidade
para anotar e apurar a claridade das coisas.


O poema, quando é poema,
na demora das madrugadas sombrias,
vê o amor, rutilante, a tecer hálitos de sol
nos ditames selvagens das palavras.


O poema, quando é poema,
é um desafio, gritante, à bem-aventurança
que há no sair do abismo
ou à liberdade que existe
na firmeza de deixar o que não vem.


O poema, quando é poema,
nunca é um tiro de chumbo disperso,
a contento, inútil e comezinho,
é uma arma de bala real, de senso letal,
para atingir e marcar o pensamento.




Nilson Barcelli © Fevereiro 2011








Entrevista - Nilson Barcelli


13 comentários:

  1. NILSON BARCELLI!

    Esse é dos meus, daqueles que fazem dos embriões, nuvens, e asas. Que falam de Morfeu e ensinam o valor do poema!

    Fantástico!

    Parabéns, poeta!

    Obrigada, Ianê.

    Mirze

    ResponderExcluir
  2. Mirze, amei esse teu "Esse é dos meus...". Obrigado.
    Beijos.

    ResponderExcluir
  3. Nilson, que maravilha ler vários de seus poemas.
    Os momentos que passei aqui me deram um encantamento ímpar. Você só merece aplausos.

    Bjs.

    ResponderExcluir
  4. Brilhante, Nilson!
    Você é um excelente poeta!
    (Como um engenheiro pode lidar tão bem com as palavras? (rsrsrs).
    Beijos.

    ResponderExcluir
  5. Nilson é um grande poeta, com um sentido estético muito depurado.

    bjs

    ResponderExcluir
  6. Nilson Barcelli

    Sabes (sentes) a admiração que nutro pelos teus Poemas.
    Magníficos e sem surpresas que deslustrem o Belo e o Bom.

    Parabéns, Amigo

    Abraços

    SOL
    http://acordarsonhando.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  7. Sempre muito bela a poesia do Nilson.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  8. NILSON BARCELLI!
    Parabéns mesmo...e..mais nao sei dizer!!!
    Um poeta que seguirá através de gerações vindouras.
    beijinho amigo

    ResponderExcluir
  9. Nilson é dotado de uma escrita refinada. Conhecê-lo um pouco mais, após a entrevista, que por sinal Inês, muito bem feita, foi um colírio para os meus olhos.

    Abraços para ambos.

    Priscila Cáliga

    ResponderExcluir
  10. Entre gênios esta esse magnifico poeta!!

    Parabéns!!

    xero

    Ana

    ResponderExcluir
  11. Adorei, acabei de conhecer o blog do autor...gosto de palavras com misturas e sons!

    um beijo

    ResponderExcluir
  12. Adorei teu Blog
    Estou seguindo!

    que post Sensacional!

    quando puder, me visite
    --> silenceshadows.blogspot.com

    desde já lhe desejo BOAS FESTAS
    e um FELIZ ANO NOVO!

    ResponderExcluir
  13. "Consigo ver o equinócio da Primavera nos teus olhos" Só um poeta, consegue ver tais coisas, que aos olhos de outros passam indiferentes. Maravilhoso poema!

    ResponderExcluir